Maquiagem continua: Lista de municípios sem crime não condiz com a realidade.

Maquiagem continua: Lista de municípios sem crime não condiz com a realidade

A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) divulgou uma lista com 173 cidades que não registraram qualquer tipo de crime em 2011. Porém, um levantamento feito pela reportagem de O TEMPO junto aos batalhões da Polícia Militar de dez dos municípios citados no relatório do governo mostrou que, ao contrário do que foi informado, houve, sim, registro de homicídios e outros crimes em 2011.

Bambuí, na região Centro-Oeste de Minas, aparece como reduto de paz no levantamento do Estado, mas, uma ocorrência, de 1º de fevereiro de 2011, aponta que a cidade foi palco de um duplo homicídio. Dois rapazes mataram dois idosos, de 68 e 72 anos, a facadas – não se sabe a motivação do crime. Em Belo Vale, na região Central, o policial militar Waley Fernandes também confirmou o registro de crimes. "Tivemos vários casos de homicídios e estupros em 2011, só não sei quantos exatamente. Mas foram vários".

Botumirim, no Norte de Minas, foi outra cidade divulgada pelo Estado como sendo o "paraíso" da segurança. Mas, entre outros casos, ela teve um adolescente de 16 anos assassinado a tiros em um bar, em julho do ano passado. Os crimes em outros municípios como Alto do Jequitibá, Ewbank da Câmara, Felisburgo, Soledade de Minas, Sapucaí-Mirim, Santo Antônio do Jacinto, Pocrane e São Pedro do Suaçuí também não haviam sido contabilizados pelo governo.

Problema. A lista foi divulgada na última quarta-feira. Ontem, após a reportagem de O TEMPO começar a fazer contato com as cidades, o governo retirou a lista do ar e, minutos depois, disponibilizou um novo arquivo. Na nova lista, no entanto, o número de municípios sem registro de crimes caiu para 91, e as cidades procuradas haviam sido retiradas, com exceção de Belo Vale. A secretaria informou que houve um erro na geração da lista e 82 locais foram incluídos por engano.

Nas últimas duas semanas, a reportagem vem mostrando denúncias de omissão e maquiagem de dados de crimes violentos por parte do Estado. Em todas as ocasiões, o governo justificava os 13 meses que ficou sem divulgar os números como necessidade de cuidado na compilação dos dados.

Na avaliação do sociólogo Robson Sávio, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), essa é uma demonstração grave de falta de controle por parte do Estado. "Ou o governo é incapaz de produzir uma estatística real ou está maquiando os dados. Os dois casos evidenciam um problema de governabilidade da secretaria (Seds)".

 
Barbacena
"A culpa é dos passionais"
A cidade de Barbacena, no Campo das Vertentes, foi a mineira que apresentou o maior índice de elevação de homicídios entre 2010 e 2011. A Polícia Militar no município associa a elevação das estatísticas em quase 200% aos crimes passionais.

A taxa de homicídios no município passou de três para cada grupo de 100 mil habitantes em 2010, para nove, em 2011, um crescimento de 198%. De acordo com o major Ângelo de Pádua, da 13º região da Polícia Militar de Barbacena, esse aumento se deve aos crimes passionais que ocorreram na cidade no ano passado.

"Neste ano, devemos voltar com a tendência de queda. Várias medidas já estão sendo tomadas, como o programa Polícia de Família, implantado no fim do ano, e o treinamento de policiais para enfrentamento ao tráfico", explicou Pádua. Em janeiro e fevereiro deste ano, a cidade registrou dois homicídios, o mesmo número do início do ano passado.

Superficial. A justificativa da polícia de Barbacena difere daquela dada pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), de que o aumento da violência em Minas Gerais está ligado ao tráfico de drogas.

Nos dois casos, o diagnóstico foi criticado por especialistas em violência. Guaracy Mingardi, ex-subsecretário nacional de segurança pública, afirmou que era preciso fazer um levantamento mais detalhado dos crimes antes de se chegar a uma causa tão específica como a dada pelas autoridades. Só assim, segundo ele, seria possível apontar soluções eficazes para o problema.

"É preciso um banco de dados funcional, que faça a ligação entre os crimes", afirmou. (JS)

Fonte: Jornal O Tempo, 3 de março de 2012