Sensação de prisão domiciliar modifica rotina de moradores.

Sensação de prisão domiciliar modifica rotina de moradores

Com a foto da última viagem que fez com o namorado nas mãos, a estudante de engenharia de produção Luciana Tobias, 19, conta que já não sai mais de casa à noite nem dirige. O medo tomou conta de sua rotina desde que seu colega de faculdade Matheus Salviano, 21, com quem namorava havia nove meses, foi assassinado, no último dia 7, durante um assalto no bairro Gutierrez, na região Oeste da capital. “Não é normal alguém sair para visitar um amigo e não voltar mais. Tenho medo do que nos restará daqui a 20 anos, porque hoje já está difícil”, desabafa.
 

No dia, Matheus tinha acabado de sair da casa de um amigo de infância, que se recuperava de uma cirurgia, quando foi abordado por dois homens que levaram seu carro. Segundo a Polícia Militar, ele foi atingido por dois tiros, no braço e no tórax.

A história do casal revela como a vida de pessoas próximas ou que passaram por experiências de crimes violentos pode mudar radicalmente. A reportagem ouviu moradores de várias regiões da capital que buscam alternativas para se sentirem seguros: gente que decidiu sair de Belo Horizonte após passar por cinco assaltos, que vendeu o carro para pagar sistemas de alarme e câmeras para transformar a própria casa em uma fortaleza ou que resolveu morar em condomínios com mais apartamentos e porteiros para se sentir mais seguro (veja depoimentos abaixo e ao lado).

CARCERAGEM RESIDENCIAL. Para a família do fisioterapeuta e funcionário da Câmara Municipal Christiano D’Assunção Costa, 34, o sentimento é de viver dentro de uma prisão, ainda que longe das grades. “Estamos oprimidos. Cada vez mais, os bandidos estão soltos, e a gente, preso dentro de casa com medo. Depois da morte dele (Costa), minha tia saiu de Belo Horizonte e foi para Goiânia (GO) para fugir daqui por uns tempos”, conta uma prima da vítima, que, receosa, preferiu não ser identificada. Costa foi baleado dentro de seu carro, no último dia 29, após sair de uma academia no bairro Buritis, região Oeste.

Um morador da Serra, bairro nobre na região Centro-Sul de Belo Horizonte, que pediu para não ser identificado, diz que sua casa virou um “Carandiru”, em alusão ao presídio paulista. Depois de ter a casa assaltada, ele vendeu o carro para investir mais de R$ 10 mil em portões, alarmes e câmeras por todos os lados. “Só continuo morando aqui (na capital) por causa da minha família, mas a vontade é mudar de país. A Serra era um bairro tradicional, mas a cidade cresceu, e o policiamento, não”, disse.

Sair do país também é o plano do comerciante Girlan Pires, 43, que negocia a mudança com a família para os Estados Unidos. “Minha filha de 6 anos tem trauma de ficar sozinha, desde que uma colega foi assaltada na porta da escola. Tomei essa decisão para garantir nossa qualidade de vida”, conta.

Novo plano de segurança será anunciado em março

A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) informou que, nos próximos dez dias, anunciará novas medidas estruturais e operacionais para as polícias Civil e Militar. “São ações em curto prazo. Queremos resolver gargalos na segurança, como a demora nos atendimentos de viaturas durante os plantões”, adiantou o secretário Rômulo Ferraz.

A pasta alegou que está investindo R$ 50 milhões na compra de 750 câmeras de monitoramento, que serão instaladas neste ano nas 25 cidades com índices mais críticos de violência. Outra medida é a nomeação de 2.100 militares aprovados em concurso, que estarão nas ruas em setembro.

Ferraz adiantou que em março será divulgado novo projeto de segurança, com diretrizes para polícias, sistema prisional e ações de prevenção. “Esse plano terá duração de quatro anos. Dez anos são muito tempo para um projeto de segurança. Há uma década não tínhamos, por exemplo, o fenômeno do crack.”

Governo estadual, Seds e polícias Militar e Civil convocaram entrevista coletiva hoje, para anunciar ações que estão sendo tomadas no âmbito da segurança pública em Minas.

“Depois de cinco assaltos, resolvemos mudar de BH”

“Nossa loja de tintas na avenida Cristiano Machado (na região Nordeste da capital) foi assaltada cinco vezes em três anos. Na última, o mesmo assaltante voltou a nos abordar menos de um mês após o crime anterior. Depois disso, resolvemos fechar a loja, que estava há 20 anos no mesmo lugar, e abrir uma unidade no centro de Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte. Em todas as vezes em que avisamos a polícia, não tivemos retorno. A violência só diminui com um policiamento mais presente. Fomos assaltados por um jovem que devia ter 16 anos e estava armado, sem o menor medo. Os bandidos não têm nada a perder. A sensação é de impotência. A gente passa a desconfiar até da nossa própria sombra.”

“A violência saiu do controle nos últimos três anos”

“Sinto que a violência saiu do controle nos últimos três anos. Depois de ter minha casa assaltada, no bairro Sagrada Família (na região Leste de Belo Horizonte), ouvi da própria polícia que nós somos reféns dos bandidos. Isso, para mim, é o caos. Se a polícia não faz o seu papel, como se resolve a questão da segurança na cidade? Enquanto não existem alternativas concretas, o jeito é buscar algo que nos tranquilize de alguma forma. Estou mudando de um prédio pequeno, que tem um apartamento por andar, para morar em um condomínio maior, com porteiros. Isso pode nem fazer muita diferença em relação à segurança, mas, emocionalmente, me sinto mais protegida. Daqui a pouco, não haverá mais ninguém que não tenha sofrido um crime na cidade e esteja na mesma situação que eu.”

“Ele era muito correto e não merecia ser vítima”

“Até hoje, não consegui assimilar o que ocorreu. Eu ainda não tive condições de voltar a frequentar as aulas porque, na faculdade, encontrava com ele todos os dias. Tínhamos o plano de viajar neste ano – eu iria para o Canadá, e o Matheus ficaria uns tempos nos Estados Unidos. Depois, iria me visitar no Canadá. O que mais me indigna agora é que ele era muito correto e não merecia ser vítima. Matheus sempre tomava todas as precauções, não carregava objetos de valor e, quando vinha para a minha casa estudar, perguntava se tinha vaga na garagem para não deixar o carro na rua. Ele brincava que tinha mais medo do bairro Serra, onde moro, que do Gutierrez. O Matheus tinha um tio que mora lá e nunca havia acontecido nada.”

“Minha casa virou uma espécie de Carandiru”

“Minha casa (no bairro Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte) foi assaltada no início deste ano. Nós acreditamos que os bandidos nos vigiavam. Em uma semana, eu vendi o meu carro e investi mais de R$ 10 mil em equipamentos de segurança. Minha casa virou uma espécie de Carandiru. De qualquer lugar, eu consigo visualizar as imagens das câmeras. Acho que fiquei meio doido, não consigo sair muito da minha casa. Nasci e me criei em Belo Horizonte e, agora, a situação está tão fora de controle que eu tenho vontade de mudar de país. A cidade cresceu, mas não há um mínimo proporcional de segurança aos moradores. O meu bairro tem 23 mil moradores, e o aglomerado da Serra tem 70 mil. Uma nova geração surge em uma cidade cada vez mais desprotegida.”

Fonte: O Tempo