Programa Segurana e Cidadania mais uma vez pauta notícias da imprensa mineira: A cada cinco dias, um morador de rua é morto.

A cada cinco dias, um morador de rua é morto

Nos dez primeiros meses do ano, Belo Horizonte registrou 65 assassinatos de moradores em situação de rua, ou seja, um sem-teto foi morto a cada cinco dias. Segundo o Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (CNDDH), responsável pelos números, a capital mineira representa 36% de todos os crimes cometidos no país – foram 181. Para as autoridades, os próprios companheiros de rua são responsáveis pela maior parte dos homicídios. Já os representantes de movimentos de proteção a essa parcela da população alegam que a negligência e a violência da própria polícia engrossam as estatísticas.

Belo Horizonte figura em primeiro lugar na comparação com as demais capitais, ficando à frente até mesmo de São Paulo, a mais populosa do país. Na cidade paulistana, que tem mais de 11 milhões de habitantes, foram 20 registros de assassinatos. A capital mineira tem 2,3 milhões de pessoas, o centro estima que 2.000 vivam nas ruas. Os dados do CNDDH mostram ainda que o problema é crescente. Em 2011, em 11 meses, 106 moradores de rua foram assassinados no Brasil, 31 na capital mineira.

Motivação
A assessora do Gabinete de Políticas Sociais da Prefeitura de Belo Horizonte, Soraya Romina, afirma que a maioria dos homicídios é cometida pelos próprios moradores em situação de rua.

Por outro lado, segundo o CNDDH, eles são vítimas de violência policial, negligência (falta medicamentos e assistência médica), prisão ilegal e tortura. "É muito comum eles serem acordados a pontapés", argumenta Maurício Botrel, sociólogo do centro nacional.

Soraya nega a violência e diz que a prefeitura monitora os sem-teto e que terá início, ainda neste mês, um programa de treinamento para guardas municipais. "Eles vão se especializar na abordagem social, que orienta os cidadãos a voltarem para suas casas". A Polícia Militar (PM) foi procurada durante sete dias, mas não se pronunciou sobre o assunto.

Para o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua de São Paulo e ex-morador de rua, Anderson Lopes Miranda, o grande problema está na falta de diálogo. "Assim, ninguém vai entender, por exemplo, que algumas pessoas não precisam de abrigos e, sim, de uma passagem de volta pra casa. Morei 22 anos na rua. Pessoas vão parar lá porque perderam moradia, trabalho, saúde".

Subnotificação esconde realidade

Os números de violência apresentados pelo Centro Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (CNDDH) são apenas os dados oficiais. Segundo o representante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) Jacinto Mateus de Oliveira, a subnotificação é grande.

Oliveira explica que, muitas vezes, as vítimas não são identificadas como sem-teto ou os homicídios não chegam às autoridades de segurança pública. "No Brasil, temos registros de 665 mortes de moradores em situação de rua de janeiro a setembro de 2012. Desses, 546 foram sepultados como ‘ignorados’ ou ‘desconhecidos’, sendo a maioria vítima de crimes violentos, como perseguição e agressão", explica. O movimento não tem números específicos sobre Minas ou a capital.

Estatísticas
O primeiro censo sobre a população de rua, feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em 2010, mostrou que 46,5% dos sem-teto preferem dormir na rua. Entre os motivos para não ficarem em abrigos, estão a perda de liberdade e maus-tratos.

Para Maurício Botrel, sociólogo do CNDDH, os abrigos têm regras e acomodações inadequadas. "É uma lógica massiva. Ficam cerca de 350 pessoas em dois ou três espaços, sem segurança. O cidadão de rua que consegue se reinserir no mercado de trabalho e sair às 18h não vai conseguir vaga, pois o abrigo abre às 16h e lota".
Segundo a prefeitura, a cidade oferece dois abrigos municipais, dois albergues e duas repúblicas – ao todo, são 600 vagas.

Preconceito é a reclamação mais recorrente nas ruas
Pelas ruas de Belo Horizonte, a reportagem encontrou moradores de rua com medo do que classificam como o aumento da violência. Para eles, o preconceito é a raiz do problema. Carlos Levy, de 54 anos, está desempregado e mora nas ruas desde 2007. Ele diz que sofre com a discriminação diariamente. "Nós só somos aturados porque existem leis que não podem ser violadas".

O agente social e ex-morador de rua Elvis Lima, de 34 anos, afirma que o preconceito é um obstáculo para a reinserção social. "Cinco meses depois de ter começado a trabalhar, eu ainda morava na rua. Ninguém queria me alugar uma casa. Eu falava que trabalhava, mas as pessoas diziam que eu ia trabalhar hoje e deixar o emprego amanhã", conta. "Estamos muito expostos a todo tipo de violência. Para piorar, o uso do álcool tem agravado a situação de forma contundente", completa.

Fonte: Jornal O Tempo, 11 de novembro de 2012