Menores infratores em completo abandono no Estado de Minas Gerais

Menores infratores em completo abandono

A falta de estrutura no atendimento aos menores infratores nas unidades de internação provisória coloca à prova a eficácia do sistema na região metropolitana de Belo Horizonte. Criadas para o acautelamento provisório – até 45 dias enquanto aguardam pela sentença definitiva -, os adolescentes vivem sem condições de higiene, educação e saúde.

A reportagem visitou três unidades provisórias de internação e comprovou a precariedade no atendimento a menores infratores em dois estabelecimentos. Apenas uma unidade oferece serviço adequado.menor_infrator.jpg
Em Betim, a sede de uma delegacia foi aproveitada para acautelar improvisadamente os jovens infratores. O local possui duas acomodações com 2 m² cada. As celas, que estão em estado precário de conservação, têm capacidade máxima para abrigar seis menores e, atualmente, estão com sete.

O problema de acondicionamento dos jovens infratores é tão grave que, há um mês, duas menores, com 13 e 14 anos, protagonizaram cenas de sexo com os adolescentes que estavam na cela ao lado. As jovens tiraram as roupas e tiveram relação com os rapazes por entre as grades. Dois policiais civis que trabalham como agentes socioeducativos colocaram as meninas em uma sala isolada até uma determinação judicial. Elas foram liberadas uma semana depois. A assessoria de imprensa da Polícia Civil negou a ocorrência do ato sexual.

Além da falta de segurança, a unidade não tem ventilação e o mau cheiro é grande. Os internos não tomam banho de sol e as visitas acontecem no refeitório dos funcionários da delegacia, sem a realização de revista.

Superlotação. Em Contagem, a Divisão Especializada de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad) é responsável por abrigar o menor infrator de forma temporária, mas está sendo utilizada como um centro socioeducativo definitivo. O espaço conta com três celas com 15 vagas, mas, atualmente, está com 22 jovens. Desses, 11 já deveriam ter sido transferidos.

Além da superlotação, os adolescentes são obrigados a utilizar uma única peça de roupa por até uma semana. A prática, de acordo com denúncia feita pelas mães de um dos internos, decorre da falta de local para guardar objetos pessoais. “Meu filho toma banho e veste roupa suja por uma semana. Isso é um absurdo”, disse a cozinheira Carla Alcione Gomes, 36, mãe de um rapaz de 16 anos.
A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) reconhece a falta de vagas e declara apenas que novas unidades estão sendo construídas. Ainda de acordo com o órgão, no Estado existem 21 unidades socioeducativas de internação e internação provisória, com 1.114 vagas. Atualmente, 1.260 jovens vivem em centros educativos, número que denuncia a superlotação. A Seds não informa a quantidade de vagas em cada centro nem as unidades com excesso de acautelados. A reportagem entrou em contato com as 21 entidades, mas os dados não foram revelados.

Enquanto o problema da falta de infraestrutura não é resolvido, os jovens vivem em situação desumana. Em uma cela apertada, o A.M.M., que completou 18 anos na prisão – após um assalto a uma casa lotérica -, espera há cinco meses por sua transferência.
Por meio de cartas entregues à mãe, a auxiliar de serviços gerais Júnia Morais, ele fala de saudade e das péssimas condições do local. “Os meninos vivem dentro de celas sujas, sem estrutura nenhuma”, desabafa Júnia. Juízes titulares da Vara da Infância e Adolescência dos dois municípios não quiseram comentar o assunto.

Precariedade

Superlotação motiva atrito entre jovens e rebeliões

Não é a primeira vez que a delegacia do 2° Distrito Policial de Betim, na região metropolitana de Belo Horizonte, é palco de polêmicas no atendimento ao menor infrator. Além das cenas de sexo entre acautelados, dois adolescentes, de 13 e 15 anos, foram agredidos neste ano no local por conta da superlotação. Treze jovens dividiam um cômodo de 2 m².

De acordo com o presidente da Câmara Municipal de Betim, Nehemias Gaspar de Araújo (PV), que acompanhou o caso na época, nada mudou no local. “Esses meninos ainda vivem em péssimas condições. Estamos empenhados para resolver isso com a urgência que a situação pede”, disse.

Ainda segundo o parlamentar, vereadores criaram uma comissão com o objetivo de indicar um terreno para a construção de um centro educativo e de uma delegacia especializada. “Estamos avaliando um espaço nas proximidades da BR-262. Nossa expectativa é que as obras comecem ainda neste ano”, disse o vereador Araújo.
O juiz titular da Vara da Infância e da Juventude de Betim, Dirceu Walace Baroni, também acionou a Justiça no ano passado pedindo a imediata construção da delegacia especializada e do centro socioeducativo no município. “Esses menores vivem em situação desumana. Não é mais possível esperar por uma medida”, disse.

O mesmo problema de superlotação motivou uma rebelião no último dia 19 de setembro na Dopcad, em Contagem. Pelo menos dez adolescentes, entre 17 e 18 anos, participaram da baderna no local. Com o tumulto, o Grupamento de Operações Especiais da Polícia Militar (Gate) foi acionado e controlou o tumulto. (GS)

 

Minientrevista

“Quero que ele pague pelo erro cometido.”

Qual foi o delito cometido por seu filho?
Ele foi pego em um assalto à mão armada. Ele se arrependeu do que fez e agora só fala em estudar e trabalhar.

Há quanto tempo ele está acautelado na Dopcad, em Contagem?
Ele está aqui há cinco meses. Já houve a decisão do juiz pela internação. A única resposta que temos é que ainda não existe vaga e, enquanto isso, terá que aguardar na provisória.

Qual o desejo da senhora?
Quero que meu filho pague pelo erro cometido, mas de uma forma digna. Ele precisa de ajuda, e não de ficar trancafiado em uma cela sem estudo e sem trabalho. (GS)

 

Ponto fraco

Recuperação ameaçada

A superlotação e a falta de infraestrutura no atendimento aos menores podem comprometer diretamente a recuperação dos adolescentes detidos.

Para especialistas, a internação é uma medida de primeiro apoio ao infrator e, por isso, deve oferecer uma estrutura adequada. “É nesse momento que o jovem poderá identificar a ajuda que precisa. Por isso, a importância de um espaço que ele se sinta seguro”, explica a ex-coordenadora do Programa Liberdade Assistida de Belo Horizonte, a psicóloga Cristiane Barreto.
O especialista em segurança pública Luiz Flávio Sapori destaca que a superlotação pode trazer problemas ainda maiores durante a ressocialização. “Esse impacto negativo pode favorecer a esse adolescente a ideia de que não existe uma recuperação ou uma eficiência na lei “.menor_infrator_dados.jpg

Para a terapeuta e psicopedagoga Valéria Eugênia Silva, essa deficiência no atendimento ao jovem infrator pode resultar em delitos ainda mais graves no futuro. “Quando eles saírem da internação, o resultado pode ser desastroso, já que a revolta está ainda maior com a situação vivida”, salientou.
Ainda segundo Valéria, que é especialista no atendimento em menores infratores, a família do menor também deve passar por um acompanhamento. “Se esses meninos estão nessa situação é porque eles nunca tiveram uma estrutura familiar, e isso precisa ser mudado. A ajuda da família é primordial para que esse jovem não volte para o mundo do crime”, disse.

Medida. Uma das alternativas à falta de vagas está na aplicação da medida de liberdade assistida. A sanção, que também está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), determina a supervisão de uma equipe multidisciplinar durante o cumprimento da pena. “Atendimento psicológico, assistência educacional e atividades de cultura e lazer estimulam o desenvolvimento do jovem”, ressalta Valéria Silva.

Segundo Sapori, a adoção da medida pode diminuir a escassez de vagas nos centros de internação no Estado. “Não resolveria o problema, mas sabemos que muitos jovens poderiam cumprir a pena através de um acompanhamento especializado”, disse.

Porém, a psicóloga Cristiane Barreto pondera, ressaltando que o sucesso da medida depende da garantia do atendimento básico aos jovens. “É preciso uma supervisão eficaz de educação, saúde e assistência psicológica. Caso contrário o jovem não se sentirá amparado”, salientou.

 

Modelo

Dopcad de Santa Luzia se difere dos demais

Criada há dois anos, a Delegacia Especializada em Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad) de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte, é um exemplo de atendimento eficaz. O espaço possui três acomodações e pode alojar até 18 jovens. Atualmente, 15 internos estão esperando pela determinação judicial.

No local, cinco agentes socioeducativos administram as atividades dos jovens, como banho de sol e limpeza das acomodações.

Diferentemente dos acautelados do Dopcad de Contagem e de Betim, em Santa Luzia, os menores utilizam uniformes em vez de roupas pessoais. A visita também é realizada uma vez por semana. Além de alimentos, as mães fornecem aos filhos duas peças de roupas para serem usadas durante as audiências. “Aqui temos um local para guardar todos os pertences das crianças internas”, explicou um agente que pediu para não ter no nome revelado.

A unidade da cidade atende, em sua maioria, a jovens envolvidos com o tráfico de drogas. No local, os menores são separados por faixa etária e por delito cometido. “Na nossa unidade, existem poucos acautelados, e isso nos ajuda a garantir o que determina o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)”, salientou o delegado Daniel Guimarães Rocha. (GS)

 

Fonte: Jornal O Tempo, 16 de outubro de 2011