Investigação paralela revela racha entre as polícias.

Investigação paralela revela racha entre as polícias

A investigação de homicídios com instauração de inquéritos é competência constitucional da Polícia Civil (polícia judiciária). Mas setores de inteligência do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate) e da Corregedoria da Polícia Militar (CPM) realizam uma apuração paralela da morte do 3º sargento Rafael Augusto dos Reis Resende, de 23 anos.Versões desencontradas apontam que o militar teria sido assassinado durante um confronto com quatro policiais civis, na madrugada do dia 15 de janeiro, em Esmeraldas, na Grande BH. Tanto o militar como os policiais civis não estavam em serviço.

O objetivo da apuração paralela da PM seria corrigir eventuais falhas e omissões que o inquérito presidido pelo delegado Hugo e Silva, da Divisão de Crimes contra a Vida (DCcV) de Belo Horizonte, possam vir a apresentar, ao ser remetido para a Justiça. O receio dos militares é de que o corporativismo impeça a correta apuração do crime.

O incidente ocorreu no Clube Itaporã, durante um baile funk. Os policiais civis suspeitos de cometer o crime são Allan César Ribeiro, de 21 anos, o “Índio”, Alan dos Santos, 30, David Thiago Santos, 30, e Isaías Barbosa, 32. Na confusão, além da morte do militar, o agente David Thiago Santos foi baleado no pé direito e um cliente, Aderlúcio Pinto dos Santos, de 20 anos, foi baleado na barriga.

O Hoje em Dia teve acesso aos documentos reservados da PM referentes aos despachos 00558.2.1/12 -CPM, (12 folhas) de 19 de janeiro de 2012, e 00627.2.1/12-CPM (40 folhas), de 20 de janeiro. Os documentos revelam uma apuração bem detalhada, com qualificação (identificação) de todos os envolvidos e depoimentos semelhantes a um inquérito policial desenvolvido em uma delegacia da Civil.

Os oficiais militares envolvidos na investigação paralela levantaram dados particulares de 15 pessoas, das quais nove foram interrogadas formalmente. Dentre essas, testemunhas oculares do incidente. Até o agente da Polícia Civil David Thiago Santos, baleado no incidente, foi interrogado pelos militares enquanto estava hospitalizado.

Os documentos também simulam uma espécie de perícia e apontam um levantamento do local do crime, além de descreverem as chamadas telefônicas para registro da ocorrência, iniciadas às 3h46 do dia 15 de janeiro.

Também constam fotografias –aparentemente feitas de telefone celular– do militar morto, em trajes civis, em frente ao clube. De modo geral, esses trabalhos são executados por peritos do Instituto de Criminalística da Polícia Civil.

 

Seds afirma que polícias estão integradas

A existência de inquéritos paralelos das polícias Militar e Civil investigando um mesmo crime reforça as evidências de que a integração entre as duas corporações em Minas Gerais ainda está muito distante de ser alcançada.

“A integração policial em Minas está se desintegrando”, avalia o sociólogo e ex-secretario-adjunto de Estado de Defesa Social Luís Flávio Sapori. Para ele, a existência de uma apuração paralela por parte da PM sinaliza desconfiança e descrédito na isenção da Polícia Civil.

Para Sapori, a rivalidade histórica entre as duas corporações chegou a ser minimizada no final de 2008 e início de 2009, quando a política de integração das polícias “tinha tudo para dar certo”, conforme avalia. “A partir daí houve uma série de ações errôneas, principalmente as que supervalorizaram a PM. A Polícia Civil se sentiu desprestigiada e o resultado é a deterioração e a perda do sentimento de integração disseminado nas duas corporações. Hoje, isso aumentou a possibilidade de rixas entre as duas forças”, resume Sapori.

Em nota, a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) alega que não há investigação paralela por parte da PM sobre o homicídio do sargento, “pois a competência para a investigação é própria da Polícia Civil, que desenvolve trabalho isento e eficiente”.

A Seds informa que toda a documentação pertinente aos fatos, oriunda da PM ou de outra instituição do Sistema de Defesa Social do Estado, se encontra juntada aos autos do inquérito policial, que é acompanhado por representante do Ministério Público e tramita em segredo de Justiça por decisão judicial.

Quanto à integração das duas forças, a Seds afirma que é confirmada pela “recente e bem-sucedida operação conjunta, que resultou no cumprimento de 111 mandados de prisão”.

 

Apuração gera controvérsia

O relatório reservado da Polícia Militar aponta “incoerências” na apuração do assassinato do sargento Rafael Resende. O delegado, Hugo e Silva, não quis comentar, alegando que a investigação estaria sob segredo de Justiça. A assessoria de imprensa da Polícia Civil também não se manifestou sobre o caso.

O advogado Cassiano Pires Valente, do departamento jurídico do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil (SINDPOL/MG) e defensor dos quatro investigadores suspeitos do crime, diz que aguarda o término do inquérito para adotar “medidas cabíveis”.

Para o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares de Minas Gerais (Aspra-MG), subtenente Luiz Gonzaga Ribeiro, a produção da apuração paralela se faz necessária porque, segundo ele, a investigação da Polícia Civil “não será isenta”. Já o presidente do SINDPOL/MG, Denílson Martins, diz que a existência de uma investigação paralela, além de inconstitucional, é prova de que a integração entre as polícias Militar e Civil não existe. “não podemos fazer qualquer pré-julgamento nesse caso. Temos que aguardar o resultado dos laudos periciais e provas materiais”, afirma.

O porta-voz da PM, tenente-coronel Alberto Luiz Alves, alega que não se trata de uma investigação paralela, mas de uma sindicância administrativa, uma vez que um integrante da corporação foi vítima de homicídio.

O assassinato do sargento por policiais civis também provocou reações inflamadas na internet, em canais de comunicação de políticos ex-militares e de militares da ativa e reserva, que chegaram  a anunciar que se “a Polícia Civil quer guerra, terá guerra”.

Diante da gravidade dos fatos, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) entrou no caso. Os deputados Durval Ângelo (PT) e Sargento Rodrigues ((PDT) localizaram  uma testemunha-chave do caso, que afirmou ter visto o militar ser assassinado pelo policial civil “Índio”.

Fonte: Jornal Hoje Em Dia, 27 de fevereiro de 2012