Em 2015, foram 33 mortes; uma taxa de 113 assassinatos a cada 100 mil pessoas, a maior em MG
Publicado por José Vítor Camilo, no Jornal O Tempo
Quando cai a noite, Rosângela*, 50, tranca portas e janelas e evita sair de sua casa, no bairro Pousada das Rosas, em São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte. Próximo dali, a residência onde morava um casal e o filho hoje está vazia. No portão, um aviso de venda. As histórias dessas pessoas provavelmente nunca se cruzaram, mas elas têm em comum uma triste realidade vivida pelos moradores do município: a violência, que, além de destruir famílias, tem mudado a rotina da cidade.
Há quatro anos, São Joaquim de Bicas – com cerca de 29 mil habitantes – carrega o peso de ser o município com o mais alto índice de homicídios em Minas. Em 2015, a taxa foi de 113 assassinatos para cada 100 mil pessoas, com um total de 33 mortes, conforme dados da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). A taxa, usada por órgãos oficiais de todo o mundo, busca paridade na comparação de índices criminais de cidades de diferentes tamanhos. O cálculo é feito da seguinte maneira: o número de assassinatos é dividido pela população, e o resultado é multiplicado por 100 mil.
Rosângela vive na cidade há 24 anos. Ela conta que antigamente a vida era tão tranquila quanto em qualquer cidade do interior do Estado e que o assassinato de um sobrinho de 28 anos, em janeiro do ano passado, próximo ao local onde ela mora, fez com que ela evitasse ainda mais sair de casa à noite. Segundo a dona de casa, que mora com o marido, esse comportamento também foi adotado por vizinhos.
“Hoje, as ruas ficam desertas à noite. Nos últimos anos, tenho ouvido tiros sempre, não tem como não ter medo. Viver aqui está muito difícil; sem iluminação pública, são poucos os que se atrevem a circular pelo bairro”, afirma. Segundo Rosângela, o sobrinho deixou três filhos, todos ainda crianças.
A violência também mudou a vida da família de Carlos José Casimiro, 38, morto na frente da mulher e do filho de 13 anos, em abril de 2015, no bairro Estância Serra Verde. O vizinho Francisco Pereira, o Baiano, 60, conta que a mulher e o filho da vítima se mudaram de cidade dias após o crime.
“Ele era novo, cheio de planos. Estava construindo uma mercearia ao lado de casa para a mulher. A obra está lá, parada no meio. Deixaram tudo para trás, inclusive a casa, que está à venda”, diz. Outra vizinha afirma que o garoto ficou traumatizado ao ver o pai ser morto. “Ele gritava que os homens chegaram enquanto o pai lia a bíblia. Foi uma cena triste. Jamais esquecerá isso”, lembra.
Para uma funcionária pública, de 41 anos, que pediu para não ser identificada, a vida já não tem a mesma alegria. No dia 25 de agosto de 2015, o irmão dela, um perueiro de 44 anos, foi assassinado juntamente com outros três passageiros que transportava no bairro Pedra Branca. O crime seria um acerto de contas com o trio transportado. “Não tem um dia sequer que não me lembro do meu irmão. Minha mãe não se conforma. Com tanta gente ruim, isso foi acontecer logo com ele”.
Comércio. O medo atinge também o comércio da cidade. Os proprietários de lojas preferem evitar deixar os locais abertos à noite. “Não dá. Mesmo durante o dia, ficamos com medo. Fechamos no máximo às 20h. Ano passado fomos assaltados umas três vezes”, conta a funcionária de uma padaria do bairro Pedra Branca.
* Nome fictício
Sensação é maior em cidades menores
Não é apenas o número de assassinatos que potencializa a sensação de insegurança vivida pelos moradores de São Joaquim de Bicas, na região metropolitana de Belo Horizonte. O pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Robson Sávio explica que, apesar de diretamente afetado pela criminalidade, o local ainda possui características de um município pequeno.
“Em cidades menores, a percepção dos crimes é maior, pois todos se conhecem, ouvem as histórias e se sentem próximos delas. Quando a população vê as taxas altas, fica a sensação de que todas as partes da cidade são violentas. Deve-se levar em conta que, em qualquer cidade, os homicídios não ocorrem em todos os lugares. Estão focados em pontos em que há incidência de tráfico ou de outros crimes”, afirma Sávio. Ele pondera que, nesses casos, é importante diferenciar a violência real da sensação de violência.
O especialista alerta ainda que é preciso ter cuidado ao se comparar taxas de incidência de crimes por 100 mil habitantes. “Não se pode comparar cidades pequenas com outras que têm de 600 mil a 2 milhões de habitantes. Em uma cidade com menos de 5.000 pessoas, o registro de um ou dois homicídios, número absoluto não muito alto, pode chegar a uma taxa próxima de 100 por 100 mil habitantes, considerada elevada em cidades maiores”.
Fonte: O Tempo