Debate: A campanha e o estatuto que tratam do desarmamento conseguiram reduzir a violência no Brasil?

Tirar o Estatuto do papel

A violência e a insegurança são temas complexos, para os quais não existem soluções únicas ou milagrosas. Para diminuir a violência e melhorar a segurança, é preciso conhecer a fundo o problema, identificando crimes de maior incidência, onde e quando acontecem, o perfil dos envolvidos e quais os instrumentos utilizados. Apenas com diagnósticos desse tipo é possível estabelecer medidas eficazes para diminuir a violência.

No Brasil, as mortes violentas são ainda o principal desafio para a segurança pública. Considerando que parte significativa dessas mortes é praticada por pessoas sem antecedentes criminais em conflitos banais, nos quais a presença da arma tornou a desavença letal, retirar armas de circulação torna-se uma importante medida para reduzir esses óbitos. Em 2010, 71% das mortes violentas no país foram causadas por arma de fogo, segundo o Ministério da Saúde.

Em 2003 foi aprovado o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826), proibindo o porte de armas de fogo para civis, centralizando seu registro, estabelecendo novos requisitos para aquisição e criando campanhas de entrega voluntária de armas, dentre outras medidas. Em 2004, quando houve um importante esforço para implementá-lo por meio de campanhas de entrega voluntária de armas, o Brasil viveu, pela primeira vez em 13 anos, a redução das mortes por armas de fogo.

No entanto, como a melhoria da segurança pública não depende de uma única medida, a redução das mortes violentas no país ainda enfrenta inúmeros desafios. Apesar do avanço inédito que representou a aprovação do Estatuto, é preciso ainda tirá-lo integralmente do papel.

Analisando os óbitos por armas de fogo em diferentes Estados brasileiros, fica claro que, onde há maior esforço para implementar a lei, há redução. No Nordeste, Pernambuco foi o único Estado que apresentou redução dessas mortes entre 2001 e 2010, tendo sido o Estado com menos concessões de porte de armas na região e o que mais recolheu armas nas campanhas de entrega voluntária.

Já no Sudeste, São Paulo e Rio de Janeiro reduziram os óbitos por armas de fogo na década e foram os que mais armas recolheram e menos portes concederam. Em contrapartida, Estados que tiveram expressivos aumentos nas mortes por armas de fogo foram os que menos esforços realizaram para retirar armas de circulação.

A distribuição desigual desses óbitos no país indica que é preciso tirar o Estatuto do papel de forma mais efetiva e homogênea. Essa medida não é a única para melhorar a segurança pública, mas sem dúvida apresenta resultados concretos e precisa continuar de forma efetiva.

Carolina Ricardo
Coordenadora do Instituto
Sou da Paz e mestre em direito

 

Armas não são a causa

Um recente levantamento que apontou as 50 cidades mais violentas do mundo, realizado pela ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e Justiça Penal, concluiu que as armas de fogo nas mãos da população não são a causa da violência e que países com políticas de restrição às armas têm índices de violência maiores do que os outros. Foi um verdadeiro balde de água fria para aqueles que repetem, por anos a fio, que o desarmamento é o caminho para uma sociedade pacífica.

Em 2011, a ONU, por meio do Global Study on Homicide, o mais amplo e profundo estudo já realizado sobre homicídios em âmbito global, já havia reconhecido que não se pode estabelecer relação direta entre o acesso legal da população às armas de fogo e os índices de homicídios, pois não são as armas do cidadão que matam, mas as do crime organizado, para o qual a lei não tem relevância.

Um exemplo de que o discurso do desarmamento é descolado da realidade pode ser observado no Brasil. O país instituiu em 2003 o Estatuto do Desarmamento, que mantém regras rígidas para o porte e a posse de armamentos; entretanto, tem 15 cidades na lista das mais violentas do mundo, ocupando a sexta posição do ranking mundial com Maceió (86 mortes por 100 mil habitantes). Outro exemplo é o Estado de Sergipe, que está colocado em segundo lugar no ranking de entrega de armas pela população em campanhas de desarmamento, mas no qual o número de homicídios quadruplicou nos últimos dez anos, conforme dados do Mapa da Violência 2012.

Esses dados trazem à tona uma verdade, até então conhecida apenas pelos que se opõem a controles maiores sobre o comércio e a posse de armamentos: o desarmamento não detém os delinquentes violentos, que sempre têm sua forma de obter armas. As proibições só desarmam as pessoas inocentes e as deixam mais vulneráveis aos criminosos.

O Brasil amarga uma média de 50 mil homicídios por ano, o que o torna, em números absolutos, o país em que mais se mata. Além disso, em média, apenas 8% dos homicídios são esclarecidos, e um número muito menor de envolvidos esses crimes chegam a ser julgados e condenados. A taxa de impunidade alcança o patamar de 92%.

A solução para os homicídios é fator primordial para se entender o fenômeno da violência no país. A falta de esclarecimento dos crimes impede traçar um perfil criminal brasileiro e compromete a definição das políticas públicas na área de segurança. Com isso, a solução da violência implica dois tipos de ações principais: o sistemático e crescente combate à impunidade e a ação da polícia em prevenir os crimes e punir os bandidos, com o devido respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos.

 

Salesio Nuhs
Presidente da Associação Nacional
da Indústria de Armas e Munições

 

Fonte: Jornal O Tempo, 15 de março de 2013