“Legislação é oportunista”.

“Legislação é oportunista”

A iniciativa de colocar em discussão o Projeto de Lei do Senado (PLS) 499, de 2013, conhecido como Lei Antiterrorismo, e acelerar sua votação no Congresso Nacional, como é o desejo já manifesto do presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL), pode ser resumida pela palavra “preocupação” pelos especialistas ouvidos por O TEMPO.

Além de reforçar a repressão dos órgãos de segurança contra manifestações e movimentos sociais, a proposta traz uma dose de oportunismo ao ser colocada em destaque a poucos meses antes do início da Copa do Mundo, com o objetivo de garantir a ordem e a segurança durante o evento, alertam os especialistas.

“A impressão que nos passa é que se tenta preservar a todo custo o poder repressor da polícia. Ainda mais neste momento de Copa do Mundo, em que existe a obrigação de garantir conforto e satisfação às pessoas”, opina o membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Mário Lúcio Quintão. “Mas não é com legislação repressiva que se vai preservar a democracia”, conclui.

O professor de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bruno Reis, endossa o caráter repressivo do texto. “Se há razões para temer e dificultar a realização das manifestações, isso está sendo feito de forma oportunista. É preocupante do ponto de vista político porque, a partir do momento em que se começa a enquadrar manifestante como terrorista, trata-se de uma política repressora e compromete os direitos políticos da população”, alerta o especialista.

Genérico. O professor destaca ainda que a própria tipificação do terrorismo, pelo texto, é genérica e se refere ao ato de “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física, à saúde ou à privação de liberdade da pessoa”. “Poderia ser aplicado quando alguém grita “fogo” em um teatro fechado, por exemplo”, ironiza.

O sociólogo e cientista político Rudá Ricci diz que o governo tem elencado, desde as manifestações do ano passado, uma série de medidas repressoras para tentar, a todo custo, garantir segurança durante a Copa.

“Primeiro, o governo reuniu secretários de segurança dos Estados e disse que iria para cima de quem usasse violência contra pessoa ou patrimônio. Depois anunciou 10 mil policiais para fazer a proteção na Copa. Em dezembro, o Ministério da Defesa publicou um manual de garantia da lei e da ordem. Agora, a Lei Antiterror. Isso é perigosíssimo”, alertou.


Cerceamento

Por que? A falta de uma legislação específica para definir o que é o crime de terrorismo é a justificativa apontada pela comissão mista de deputados e senadores para criar a nova legislação.

Parlamentares criticam projeto que seus partidos elaboraram  

Apesar de a Lei Antiterrorismo estar sendo criada por uma comissão mista de deputados federais e senadores de vários partidos e defendida por lideranças como Renan Calheiros (PMDB-AL), Paulo Paim (PT-RS), Jorge Viana (PT-AC) e Agripino Maia (DEM-RN), a proposta de legislação agora ganha resistência.

Após a repercussão negativa da matéria, parlamentares se mostram contrários ao projeto. Para os congressistas, já existem leis no Brasil que podem coibir a práticas de crimes parecidos com o que resultou na morte do cinegrafista Santiago Andrade. Eles ainda entendem que o texto dá margem para as autoridades tomarem posições “arbitrárias”.

“Já existe no Brasil um arcabouço legal capaz de garantir a segurança das pessoas, inclusive, durante a realização de grandes eventos como Copa. Em uma democracia, as manifestações são legítimas e não podem ser reprimidas”, ressaltou o deputado Odair Cunha (PT-MG).

O presidente nacional do PT, Rui Falcão, definiu a matéria como vaga. “Essa caracterização atenta contra os direitos fundamentais previstos na Constituição e poderia servir à criminalização de movimentos sociais.”

Para o deputado Júlio Delgado (PSB), bastaria uma reforma no Código de Processo Penal. “Temos que mudar o código e revisar a idade de maioridade penal. Mais rigidez nas punições poderia resolver pontualmente.”

Para o tucano Domingos Sávio, a lei não é clara. “O texto dá margem à interpretações subjetivas. Isso remonta as obscuridades da ditadura”. (Guilherme Reis)


Desordem

O secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, encaminhou ao Senado um texto que tipifica o crime de desordem em local público. A comissão mista vai analisar.

Movimentos temem ser criminalizados

Partidos ligados a movimentos sociais e manifestantes que têm ido às ruas para protestar condenam com veemência a Lei Antiterrorismo.

O membro da Assembleia Popular Horizontal André Veloso diz que, se aprovada, a lei avança na criminalização dos movimentos sociais e aumenta o “Estado de exceção”.

“Toda brecha que encontram, aumentam a repressão. Mas nenhuma medida para diminuir o poder da polícia foi tomada quando manifestantes morreram”, criticou Veloso.

Para a vice-presidente do PSTU de Minas, Vanessa Portugal, a proposta tem clara tentativa de criminalizar os movimentos populares. “As manifestações são feitas para reivindicações concretas. Não é terrorismo”, disse.

De acordo com o presidente do PSOL mineiro, Carlos Campos, a matéria faz parte de um “lobby da Fifa, que cria um Estado de exceção”. (GR/LP)

Fonte: O Tempo