Violência doméstica é outro desafio para Segurança Pública.

Estudante disse que era ameaçada de morte, mas admitiu ser apaixonada pelo companheiro

Com o nome do companheiro tatuado várias vezes no corpo, inclusive na virilha, Viviane*, 29, tinha que pedir permissão ao companheiro, Renato Ferreira da Silva Junior, 33, para tudo – até para ir ao banheiro. “Eu amo meu companheiro Renato” são os dizeres de uma das marcas da submissão que ela carrega na pele, entre cicatrizes das agressões diárias por quase um ano, até a fuga, no último dia 28.

A violência doméstica – que atingiu média diária de 130 mulheres em Minas em 2013, segundo a Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) – não escolhe idade, cor, raça ou classe, segundo especialistas. Mesmo as mais instruídas, como Viviane, doutoranda em veterinária na Universidade Federal de Viçosa (UFV), não estão imunes. “A violência é contra a mulher, seja ela quem for, e está ligada a uma cultura e à relação afetiva, e muitas vezes é sustentada pelo poder do homem sobre a mulher”, explicou a psicóloga Ana Pereira dos Santos, coordenadora da Casa das Mulheres, em Viçosa, na Zona da Mata mineira, por onde Viviane passou quando conseguiu fugir de casa.

Sempre com um lenço na cabeça e o corpo todo coberto, a jovem bonita, de olhos claros e sorriso doce – como mostram fotografias do inquérito sobre a relação doentia do casal –, não passava despercebida nas raras vezes em que era vista na rua. Ela estava sempre de cabeça baixa e atrás do companheiro, alto e forte.

A justificativa usada pelo companheiro para a subordinação, na qual a vítima acreditava, era que Junior passou a ser muçulmano. Mas as roupas escondiam os hematomas que começaram a aparecer no dia em que eles se mudaram para Viçosa, em março último, quando Viviane apanhou porque o taxista errou o caminho, e Junior achou que ela tinha distraído o motorista, como contou a vítima ao delegado de Viçosa, José Donizetti Teixeira.

Segundo Viviane, o homem amoroso e apaixonado durante os três anos de namoro à distância e que bimestralmente saía do Rio de Janeiro para vê-la em Curitiba, onde ela morava, deu lugar a uma pessoa ciumenta e agressiva. Ele a deixava trancada em casa e acompanhava Viviane à universidade, onde ficava até o fim da aula. Boa aluna, ela só se saiu mal em uma prova no dia em que tinha apanhado de cinto e estava com as costas em carne viva, segundo os professores.

De família oriental e humilde, da zona rural, a vítima foi impedida de falar com todos. Nas raras vezes que se comunicou com a mãe, usou o viva-voz do celular, para o companheiro ouvir. Enquanto ele comia carne e pão, ela só se alimentava de frutas e cereais, inclusive quando ele ia ao Rio de Janeiro, de onde a controlava por telefone.

Vizinhos. Na maioria estudantes, os moradores do prédio com quitinetes de 30 m² afirmam ter sempre estranhado o casal do apartamento 1.006. “Eu ouvia ela apanhando quase todos os dias. Eles ligavam música clássica alta, mas o barulho era constrangedor”, disse uma das vizinhas mais próximas, que solicitou anonimato.

Outra moradora contou que Junior demorou mais de meia hora para levar Viviane ao hospital quando ela pulou da janela de casa, apesar de a jovem estar sangrando muito. “Quando veio morar no prédio, ela usava blusa regata. Depois mudou demais.”

No depoimento, Viviane disse que aceitava a situação porque estava sob ameaça de morte e acreditava que sua família corria risco, mas admitiu ao delegado que era apaixonada pelo companheiro e mantinha relações sexuais com ele. “Todo dia eu recebo casos de violência doméstica, mas nunca tinha visto como esse. Ela fazia muita coisa porque queria, e só tentava se livrar quando apanhava demais. A história daria um filme.”

Fonte: O Tempo