Rigor mostra que impunidade nos crimes de trânsito é mito
No país da impunidade, engana-se quem pensa que vai beber, dirigir e sempre sair impune. O mito de que a Lei Seca não gera problemas para quem descumpre a norma está perdendo força. Além da multa de R$ 957,70 e da suspensão ou até cassação da carteira, os motoristas flagrados relatam a dor de cabeça gerada pelos constrangimentos e os grandes prejuízos financeiros.
Somente nos três primeiros meses deste ano, 557 processos administrativos foram abertos contra motoristas com suspeita de dirigirem embriagados na região metropolitana de Belo Horizonte. A média é de seis por dia. As blitze da campanha Sou pela Vida – Dirijo sem Bebida, coordenadas pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), flagraram no período 425 motoristas embriagados. Outros 132 se recusaram a fazer o teste. A Polícia Civil não informou o número de carteiras suspensas e cassadas.
Flagrantes como o do empresário Elisson Alain Mirada, 43, que ficou nacionalmente conhecido como "bebi, bebi, bebi" acabam ainda por manchar a imagem de seus protagonistas. Entre 2008 e 2010 Miranda foi flagrado três vezes dirigindo embriagado e, em uma das ocasiões, se envolveu em um acidente.
"Até hoje me apontam na rua. Se eu sair à noite, as pessoas já brincam dizendo: ‘você não bebeu, não é?’", conta o empresário, que está com a carteira cassada. Por causa dos flagrantes que sofreu, o empresário teve que desembolsar R$ 3.000 para quitar multas, além de R$ 15 mil para pagar o advogado que o representa nos processos que responde na Justiça.
Apesar de nunca ter tido a imagem estampada nas páginas de jornal ou na televisão, um metalúrgico de 51 anos, que prefere não ter o nome divulgado, diz que ainda não consegue esquecer do constrangimento que passou ao ser levado, em agosto do ano passado, em uma viatura da Polícia Militar até o Departamento de Trânsito de Minas Gerais (Detran-MG) depois de ter sido flagrado em uma blitz de trânsito na avenida Cristiano Machado. Ele soprou o bafômetro e ficou comprovada a embriaguez.
O metalúrgico foi para o plantão da delegacia do Detran, onde ficou detido por 11 horas. "Foi extremamente constrangedor. Você se sente um marginal. Só fui liberado depois que paguei a multa de R$ 957".
Atualmente, ele responde a dois processos: um administrativo e outro criminal, já que ficou configurado crime de trânsito. Ainda sob risco de perder a carteira, o metalúrgico só recebeu autorização para continuar dirigindo até que o processo seja julgado depois de fazer um curso de reciclagem.
Rigor. Para o advogado Carlos Cateb, o rigor nas punições é a solução para diminuir o desrespeito à lei. "O processo administrativo é a principal maneira de forçar as pessoas a cumprirem a regra. Elas têm sido punidas e isso inibe condutas indevidas".
Para tentar deixar os motoristas ainda mais temeroso, a lei deve ficar mais rigorosa. Há duas semanas, a Câmara dos Deputados aprovou 14 projetos que alteram a Lei Seca. Entre as mudanças das propostas que serão analisadas pelo Senado está o aumento da multa para R$ 1.915, sendo que a cada reincidência, o valor é dobrado. Além disso, depoimentos de testemunhas, imagens de vídeos feitas pelos agentes de trânsito e, em caso de acidente, o atestado de um perito, podem passar a servir, juntamente com os testes de bafômetro e de sangue, como provas da embriaguez.
Senado
Rigor. A Comissão de Justiça que analisa a reforma do Código Penal no Senado aprovou, na última semana, a proposta que considera todos os meios de prova válidos para atestar a embriaguez ao volante.
Homem, solteiro e com formação no ensino médio ou superior completo. Esse é o perfil da maioria dos motoristas flagrados pelas blitze da campanha Sou pela Vida Dirijo sem Bebida, conforme dados do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran).
De acordo com o comandante do BPTran, tenente-coronel Roberto Lemos, geralmente essas pessoas têm uma vida social mais agitada e acabam se arriscando no trânsito. "Eles são também jovens. Têm um ritmo de vida mais agitado e acabam não pensando muito para agir, mesmo aqueles mais instruídos", avaliou.
É exatamente o caso do fotógrafo Eduardo (nome fictício), 35, que somente na semana passada, após dois anos de restrições, se livrou da ação penal que respondia na 12ª Vara Criminal de Belo Horizonte, por provocar um acidente ao dirigir sob o efeito de bebida alcoólica.
O acidente aconteceu em abril de 2009, no bairro Padre Eustáquio, na região Noroeste da capital, quando Eduardo voltava de uma balada. Ele perdeu o controle da direção e se envolveu em um acidente com um ônibus. O veículo dele, de R$ 60 mil, teve perda total.
Para conseguir a suspensão do processo, o fotógrafo fez um acordo com o juiz e se comprometeu a ficar por dois anos sem frequentar ambientes onde são comercializadas bebidas alcoólicas. Além disso, teve que pagar a multa de R$ 957,70 e outros R$ 1.000 pelo curso de reciclagem. "Meu prejuízo maior foi o carro. Como admiti o erro, a seguradora não pagou o estrago".
Fonte: Jornal O Tempo, 23 de abril de 2012