Mobilização dos servidores diante da crise financeira e desmonte do Estado com a PEC 241

24 de outubro de 2016

Publicação do jornal O Tempo detalha diagnóstico financeiro e situação crítica do Estado. Movimento sindical exige alternativas para garantir direitos.

Veja a matéria publicada no jornal O Tempo

Angélica Diniz, 24/10/2016 – O Tempo

Em 2015, cada um dos mais de 20 milhões de mineiros contribuiu com cerca de R$ 2.200 para bancar o pagamento do funcionalismo público estadual nos três níveis de poder, ou seja, sem considerar as remunerações de servidores federais e municipais. Juntos, funcionários de Executivo, Legislativo e Judiciário mineiros custaram no ano passado aproximadamente R$ 46 bilhões – entre ativos, inativos e pensionistas.

Essa conta – que não deveria ser um fardo, já que o agente público garante os serviços básicos e gratuitos à população – ameaça entrar em colapso dentro de pouco tempo, segundo especialistas. União, Estados e municípios estão sem dinheiro para arcar com a folha de pessoal, que cresce desproporcionalmente à arrecadação dos governos.

No caso de Minas, onde os salários estão sendo pagos com atraso e por escalonamento, a receita tributária em 2015 foi de R$ 41,8 bilhões, segundo o Portal da Transparência. Dados do Tesouro Nacional divulgados recentemente mostram que só a folha de pagamento do Estado consumiu R$ 38,4 bilhões no ano passado, ou seja, quase 92% da arrecadação de impostos. No entanto, é importante destacar que o montante da receita pública inclui outras fontes de arrecadação.
“Nos últimos cinco a seis anos, a despesa global do setor público cresce em termos reais, ou seja, além da inflação. Só que, com o país em crise, você não consegue gerar receitas para conseguir dar suporte a esse crescimento”, explica o economista Gilvan Cândido da Silva, coordenador do MBA executivo em previdência complementar da Fundação Getúlio Vargas.

O grande problema, segundo o especialista, é que, de um lado, pesa o crescimento vegetativo da despesa – por meio de reajustes decorrentes de progressão na carreira, acordos coletivos e contratação de servidores para atender o aumento de demanda. De outro, a crise econômica do país impacta significativamente a arrecadação do governo.

Para agravar a situação, a maior dificuldade dos gestores é o controle dos gastos com aposentados e pensionistas. Um estudo recente do Tesouro Nacional aponta um aumento real no “custo” dos inativos de 28,41% entre 2014 e 2015 no caso dos Estados e do Distrito Federal, e de 12,1% entre os municípios. O rombo na previdência em Minas é considerado “dramático” pelo governo do Estado e, segundo o Boletim das Finanças Públicas dos Entes Subnacionais, já chega a R$ 13,9 bilhões, déficit bem maior que o anunciado pelo Executivo mineiro, de R$ 10 bilhões.

Além de benefícios nas carreiras, privilégios e altos salários pagos por alguns setores e regimes especiais aumentam o peso sobre as contas. Na carreira militar, por exemplo, é possível um servidor ir para a reserva depois de 30 anos de serviço, podendo ficar inativo antes dos 50 anos de idade. Além disso, o militar é aposentado com uma patente acima daquela que tinha na ativa. Em Minas, a folha da PM é a maior e representa 27% das despesas com pessoal no Estado.

Salários. Levantamento feito pelo Ministério da Fazenda informou que, entre 2009 e 2015, Minas Gerais apresentou um aumento de despesas com a folha de pagamento de 112,73%.

Reprodução Jornal O Tempo

Reprodução Jornal O Tempo

As finanças públicas da União, de Estados e de municípios vão mal e podem parar na UTI caso medidas drásticas não sejam tomadas para conter o avanço das despesas com o contracheque do funcionalismo dos três Poderes. Alguns governos já preveem o cenário de demissão de servidores, inclusive concursados. Também já se desenha a possibilidade do não pagamento de aposentados e pensionistas.

Em função disso, o governo de Michel Temer (PMDB) lançou mão de duas medidas polêmicas, que dividiram ainda mais o país: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que estabelece um limite para o aumento dos gastos públicos, e a reforma da Previdência.

Ainda em discussão no Legislativo, as soluções da equipe econômica para equilibrar as contas foram reprovadas por parte da opinião pública. No entanto, o coordenador do MBA executivo em previdência complementar da FGV, Gilvan Cândido da Silva, avalia que a chamada “PEC do Teto” vai evitar a “explosão da dívida pública”.

Sem receita suficiente, Estados e municípios se valeram do endividamento para arcar com suas despesas. Minas fechou 2015 com um dívida pública de R$ 104,1 bilhões, tendo uma receita corrente líquida de R$ 49 bilhões. Com a despesa de pessoal em R$ 38,4 bilhões, o Tesouro Nacional considerou Minas o Estado que mais extrapolou a meta de relação entre despesa com pessoal e receita líquida.

Segundo o Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal (PAF), Minas atropelou o limite de gastos com a folha em 78%, sendo que a meta para o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal é não ultrapassar os 60%. Outros sete Estados também estão descumprindo a meta.

A outra prioridade do governo federal é aprovar a reforma da Previdência, que ainda depende de discussão no Congresso Nacional. O texto prevê o estabelecimento de idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, tanto para homens quanto para mulheres. “A gente vê que a despesa previdenciária cresce ano a ano porque as pessoas se aposentam jovens, ficam muito tempo recebendo benefício de aposentadoria e não contribuem com isso”, aponta Silva, ao defender a medida.

Essa, porém, não é a visão da professora do Departamento de Ciências Políticas e coordenadora do curso de graduação em gestão pública da UFMG, Telma Menicucci. “A receita que está sendo defendida no país agora reflete um liberalismo arcaico, que não é mais aplicado em nenhum lugar. O desenvolvimento não se obtém com corte de gastos apenas, mas com investimentos em políticas públicas”, avaliou.

A professora questiona, ainda, se o corte de gastos, em vez de atingir o servidor médio, não deveria começar pelos servidores do alto escalão do Judiciário e do Legislativo, onde, segundo ela, salários, aposentadorias, pensões e benefícios indiretos são inigualáveis com os de países civilizados. “E a desigualdade dos impostos no Brasil? Cortar gastos com servidores responsáveis pelas políticas de Estado, sem discutir outras formas de evasão de recursos, é de uma barbárie ideológica enorme”, disparou.

Ajuste. Além de Minas Gerais, não estão enquadrados da meta fiscal os Estados do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Paraíba, Goiás, Rio de Janeiro e Paraná, além do Distrito Federal.

Contra o arrocho

“Cortar pessoal sem avaliação de onde se pode ou se deve cortar está associado a visões que privilegiam os interesses dos empresários, que são avessos a impostos e defendem menos gastos públicos.”
“É preciso responsabilidade fiscal, mas apenas cortando servidores médios? E o alto escalão, no Judiciário e no Legislativo, onde salários, aposentadorias, pensões e benefícios são inigualáveis com os de países civilizados?”
“Sem vigilância sanitária, o que seria dos medicamentos e alimentos que consumimos? Sem políticas educacionais, o que seria da civilização?”
Telma Menicucci
Coord. curso de ciências políticas da UFMG

A favor do ajuste

“O Estado brasileiro é tão grande em termos de volume de recursos que, se a gente pegar os salários polpudos de determinadas regiões, isso, na proporção da receita, é pouco. Talvez não seja tão significativo.”
“Com receita menor e despesa vegetativa crescendo, é preciso impor limites. Dizem que o governo quer colocar a corda no pescoço ao aprovar a PEC 241, mas, ou se faz isso como um primeiro passo, ou o país vai entrar em colapso.”
“O segundo passo é aprovar a reforma da Previdência com parâmetros mínimos. Um deles é evitar que pessoas se aposentem cedo. É uma reforma que vários países já fizeram há anos.”
Gilvan Cândido da Silva
coordenador do MBA em previdência da FGV

DÍVIDA COM A UNIÃO

Renegociação não alivia cofres de MG

Há cerca de um mês, o secretário de Fazenda de Minas, José Afonso Bicalho, admitiu que o Executivo deve decretar calamidade financeira, mesmo com o alívio trazido pela renegociação da dívida dos Estados com a União. Além disso, desde abril, quando o governo entrou com pedido de liminar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), o Estado suspendeu o pagamento da dívida com o governo federal.

Foto: João Godinho/O Tempo

Foto: João Godinho/O Tempo

Com a renegociação dos débitos com a União, Minas Gerais está deixando de pagar parcelas mensais de R$ 300 milhões desde julho, o que resultará em uma economia de cerca de R$ 2,1 bilhões até dezembro.

Sobre o boletim do Tesouro Nacional, que coloca Minas em desacordo com a meta de 60% na relação entre despesa com pessoal e receita líquida, o Estado informou que não reconhece as metodologias do órgão federal. “Para a apuração do índice de comprometimento das despesas líquidas de pessoal em relação à receita corrente líquida, o Estado utiliza a metodologia prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal e demais dispositivos normativos que regulamentam a matéria”, diz a nota.

A Fazenda estadual se negou a responder questões sobre a dívida pública e as medidas para contenção de gastos com o pagamento do funcionalismo.

Distribuição

6 milhões é o número de funcionários municipais no Brasil

3 milhões é o número aproximado de servidores estaduais no país

2 milhões é a quantidade de servidores públicos federais no país

PRIVILEGIADOS

Juízes ganham além do teto do funcionalismo

Brasília. Três de cada quatro juízes brasileiros receberam remunerações acima do teto constitucional, revela levantamento feito pelo jornal “O Globo” analisando as últimas folhas salariais dos 13.790 magistrados da Justiça comum brasileira, a maioria de agosto. São 10.765 juízes, desembargadores e ministros do Superior Tribunal de Justiça que tiveram vencimentos maiores do que os R$ 33.763 pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

Para driblar o teto, os tribunais pagam aos magistrados recursos a títulos variados de “indenizações”, “vantagens” e “gratificações”, com respaldo legal dado por decisões do próprio Judiciário ou resoluções dos conselhos de Justiça.

Fonte: O Tempo 1

             O Tempo 2