Matéria apresentada pelo Programa Segurança e Cidadania do último sábado é abordada em caderno cidades desse domingo.

Dois prédios históricos têm trajetória unida pela arte

Matéria apresentada pelo Programa Segurança e Cidadania do último sábado é abordada  em caderno cidades desse domingo

Quem passa pelo cruzamento das ruas Manaus e Padre Marinho, no bairro Santa Efigênia, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, talvez não perceba a coincidência que a palavra abandono criou em torno de dois prédios históricos. De um lado do muro, está o Lar dos Abrigados, pertencente ao Centro Psíquico da Adolescência e Infância (Cepai), que há 33 anos serve como casa para sete deficientes mentais abandonados pelas famílias há décadas. Do outro, logo ao lado, fica um casarão que funcionou como escola para pacientes do Cepai, mas que devido ao abandono foi ocupado recentemente por ativistas que querem transformar o espaço em centro cultural.

“É engraçado, porque foi por meio da dança, da música e da pintura que ensinamos esses deficientes a suprir a falta da família de sangue. E agora vemos gente fazendo arte para livrar do abandono um prédio que fez parte dessa história”. É assim que a psicopedagoga Mercês Hatem Osório, 66, tutora dos abrigados desde a criação do lar, define a relação entre a história dos edifícios, que pertencem à Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig).

Ela lembra quando os quatro homens e as três mulheres com idades em média de 20 anos chegaram à capital, em 1980, trazidos do Centro Psiquiátrico de Barbacena, na cidade do Campos das Vertentes. À época, como nenhum familiar procurou pelas sete “crianças do lar”, como são chamados pelos funcionários do Cepai, os pacientes foram acolhidos pelo hospital. Em 1998, os sete receberam uma casa construída anexa ao centro. “Os pacientes não tinham noção de nada, urinavam e defecavam no chão, eram arredios, muitos tinham o olhar triste: tivemos que ensinar tudo, desde usar o banheiro a pegar água”, conta Mercês.

superação. Logo que começou a usar um rádio de pilha, Didi*, 44, deixou de ter rompantes de raiva, aprendeu a usar o banheiro e descobriu o gosto pela música – tanto que passa a maior parte do tempo segurando um modelo portátil do aparelho nas mãos. Já Nina*, 46, que é cega, decorou a localização dos móveis de casa e aprendeu a dançar ao som dos clássicos de Mozart e Bach.

O único que consegue se comunicar com gestos e até frequenta sozinho uma cafeteria perto de casa, Tonho*, 51, sorri o tempo inteiro. É ele também quem olha curioso a movimentação de jovens que praticam ioga há poucos metros dali, na porta do casarão que abrigou a Unidade de Psicopedagogia para pacientes do Cepai, entre 1947 e 1977.

Há três semanas, ativistas do movimento chamado de Espaço Comum Luiz Estrela ocuparam o casarão com várias atividades artísticas e chegaram a visitar o Lar dos Abrigados. “Fizemos serenata para eles aqui na porta da casa. Fomos lá conhecer o lugar, estabelecemos regras de convivência, como não fazer barulho até tarde, para preservar essa história”, diz a artista multimídia Maria Letícia Marçal, 28, integrante da ocupação.

* Apelido

 
Investimento

Reforma. De 2003 a 2007, a estrutura física do Cepai – incluindo áreas médicas e administrativas, estacionamento, auditório e pátio de lazer – passou por reforma, que custou R$ 680 mil.

Criação. O Centro Psíquico da Adolescência e Infância (Cepai) foi aberto em 1947, para atender menores com distúrbios psíquicos. Porém, na década de 80, o hospital acolheu sete deficientes mentais que não tinham para onde ir.

Estrutura. Com 111 funcionários – entre médicos e administrativos –, o Cepai realiza uma média mensal de 23 internações de crianças e adolescentes entre 0 e 18 anos – a maior parte dos casos tem relação com uso de entorpecentes.

Tempo. A internação para acompanhamento médico e psicológico de menores dura cerca de 15 dias, alguns pacientes podem ficar até seis meses no hospital.

Lar dos Abrigados. Os sete moradores da casa contam diariamente com auxílio de um médico e de um enfermeiro. Uma fisioterapeuta, pedagogos fonoaudiólogos e psiquiatras fazem acompanhamento dos deficientes semanalmente.

Nesta terça-feira, representantes do Espaço Comum Luiz Estrela vão apresentar ao governo de Minas o primeiro projeto oficial de criação de um centro cultural para o casarão abandonado da Fundação Hospitalar de Minas Gerais. Atualmente o prédio é cedido à Fundação Educacional Lucas Machado (Feluma), que pretende construir um memorial para Juscelino Kubitschek no local.

Segundo Victor Diniz, porta-voz da ocupação, o projeto vai envolver atividades culturais para moradores de rua e doentes mentais. Ele cobrou que uma reforma emergencial seja feita no prédio antes do fim das negociações. “Uma laje em cima da estrutura original está cedendo, e há várias infiltrações”. 

Há um mês, a Feluma recebeu prazo de 180 dias para reformar o imóvel, segundo o Ministério Público, mas nenhuma intervenção foi feita. A assessoria de imprensa da fundação informou que o órgão não comenta o assunto.

 

Fonte: O Tempo