Governo vê o crack de forma errada

Governo vê o crack de forma errada

Algumas razões para a ação do governo contra o crack dar errado:
1. Toda campanha contra as drogas já começa equivocada, pois, em geral, é pensada por quem não tem vivência no mundo onde ela rola. Para início de conversa a droga é prazerosa, traz alegria, “anestesia problemas”, desinibe, entre outras ações. Conversem com milhares de pessoas que já se envolveram com as drogados e tentem entender uma coisa: se a droga fosse ruim, desse pesadelo, alergia, causasse mal-estar, depressão ou pânico no momento em que se cheira, injeta, fuma ou bebe, não haveria bêbados e drogados no mundo.

2. Quem usa quer alívio para suas angústias, ansiedades, frustrações, baixa estima, insucessos na vida sentimental, profissional, familiar e social. Então, a constatação mais óbvia e preocupante é a de que inicialmente, a cervejinha, a maconha, o ecstasy ou a cocaína, por exemplo, são usados como antidepressivos ansiolíticos disponíveis no mercado sem prescrição médica ou fiscalização eficiente, além do baixo custo, para boa parte dos futuros dependentes que, no início, se “beneficiam”dos efeitos estimulantes, desinibidores ou calmantes. O problema é que, após o efeito relaxante, indutor de sono e/ou da alegria que inicialmente a bebida e as drogas (incluindo cigarro) provocam, o efeito rebote, ou de ressaca é uma ansiedade, angústia e depressão química que estão entre as mais severas e letais.artigo_crack.jpg

3. O crack, para quem não sabe, é sobra do refino da cocaína e, por décadas, foi largado em meio à selva, assim como se joga a borra de café no lixo. Infelizmente, alguém resolveu acrescentar éter, bicarbonato e fumar aquelas pedras descartadas, já que a cocaína refinada e pura é que tinha valor. Ao aspirar a fumaça, em segundos obteve efeitos imensos, a princípio bons e estimulantes, porém na primeira aspirada já se desenvolveu uma severa dependência física e psíquica. E o pior, o efeito é curto e a abstinência insuportável. E o pior é que o custo é baixo.

4. Não satisfeitos, misturaram o querosene ou gasolina e cimento ou cal e veio o oxi, droga ainda mais barata. Agora o pulmão aspira querosene, pasta de cocaína em pedra, cimento por R$ 2. Imaginem que a sobrevida será cada vez mais curta.

5. Efeito rápido, abstinência pesada. A fissura é tão intensa, o desejo é tão doentio, que a área do cérebro responsável pela gratificação imediata, através de duas substâncias dopamina e serotonina, emite uma ordem para que venha uma tsunami de química compensatória e que gere alívio. As sensações são tão pesadas que mãe vende filho, filho esfaqueia pai, pessoas, até outro dia honestas, roubam e matam pela droga. De R$ 2 em R$ 2, R$ 10 em R$ 10, o gasto é imenso pois cada vez o efeito é mais rápido e a abstinência e mal-estar mais insuportáveis.

6. Não basta desintoxicar. Toda droga é depressiva. E dos mais de 5.563 municípios do Brasil, mais de 80% não tem antidepressivos disponibilizados pelo SUS. Nestes locais ocorre desde o fato dos médicos não pedirem, ou não ter estoque dos remédios, até a equipe de saúde não saber nada de psiquiatria e neurociência. O trabalho multiprofissional com assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, nutricionistas, fisioterapeutas e até educadores físicos são essenciais, mas os médicos não sabem atuar desta forma, pois são autoritários e sobrecarregados.

 

Artigo do escritor e neurocientista Eduardo Aquino, publicado no jornal Super Notícia do dia 9 de outubro de 2011