Governo proíbe polícia de divulgar dados sobre violência.

Governo proíbe polícia de divulgar dados sobre violência

A cúpula da Polícia Militar proibiu os comandantes das 18 regiões da corporação em Minas de divulgarem à imprensa qualquer estatística que revele os índices de criminalidade no Estado.
Sem tornar públicos os dados da violência desde janeiro de 2011, o governo decidiu que as informações só poderão ser fornecidas desde que "previamente analisadas" pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), que comanda a segurança pública em Minas. Apenas as ocorrências "não classificadas como violentas" poderão chegar ao conhecimento da sociedade, diz a ordem aos comandantes.

As orientações, feitas pelo comando da Polícia Militar num encontro com os líderes dos batalhões, no mês passado, foram reforçadas ontem em um memorando assinado pelo chefe da assessoria de comunicação organizacional da corporação, tenente-coronel Alberto Luiz Alves, endereçado aos chefes das unidades.

A reportagem de O TEMPO teve acesso ao memorando 5008.2/2012 e ao texto publicado ontem na rede interna de comunicação da PM (veja trechos abaixo).

Na mensagem dessa quarta, intitulada "Divulgação de dados estatísticos", o assessor da corporação explica que "as unidades, quando demandadas pelos órgãos de imprensa, poderão fornecer informações sobre as estatísticas afetas às demais modalidades criminosas, não classificadas como violentas, desde que os dados solicitados sejam previamente analisados pelos respectivos comandantes quanto à provável repercussão da divulgação e reflexo na sensação de segurança da população".

O segredo em torno dos números dá força às especulações de que a violência em Minas cresceu acima da média. Em Belo Horizonte, acredita-se que o aumento tenha sido de 20%. Estudo apresentado nesta semana pelo Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea) mostrou que os assassinatos de homens entre 15 e 29 anos em Minas subiram 74,7% entre 2001 e 2007.

Especialistas em segurança pública criticam a falta de transparência. O argumento de que a publicação dos dados aumentaria a sensação de insegurança é "ultrapassado e anacrônico", diz o secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima. "Não é escondendo as estatísticas que o governo deixará a população mais segura. Esse era um pensamento dos anos 90, completamente equivocado. As pessoas sabem onde os crimes acontecem".

A omissão dos números ainda faz com que, na opinião do pesquisador mineiro Robson Sávio, também membro do FBSP, "cresça a desconfiança da população em relação às corporações".
Outra consequência desastrosa, garante, é o prejuízo ao planejamento de ações de enfrentamento do problema. "Se o governo estivesse declarando os dados com transparência, não haveria nenhum problema na atitude da PM. A questão é que não tomamos conhecimento de mais nenhuma informação". Até 2010, a Fundação João Pinheiro publicava relatórios trimestrais sobre criminalidade com base em dados do governo.

Mortes. O memorando 5008.2, assinado pelo então chefe do Estado Maior da PM, Márcio Martins Sant’Ana, hoje comandante geral da corporação, informava que as estatísticas criminais de 2011 seriam divulgadas em janeiro, o que não ocorreu.

 

Seds entra em contradição ao comentar texto enviado à PM

A Secretaria de Defesa Social (Seds) afirmou ontem, por meio de nota, discordar da ideia de que "a divulgação dos dados aumenta a sensação de insegurança". No entanto, o memorando enviado nessa quarta-feira pelo assessor de comunicação da PM, tenente-coronel Alberto Luiz Alves, aos comandantes é claro ao afirmar que a "provável repercussão da divulgação" pode
refletir "na sensação de segurança da população".

O órgão também declarou que ainda não divulgou o relatório de 2011 porque "os dados estão sendo compilados".

Sobre a análise que os comandantes devem fazer antes de fornecer dados à imprensa, a Seds explica que se trata de "fazer a contextualização das ocorrências". "Por exemplo: aumento de ocorrências de perturbações de sossego em um bairro pode ser entendido como resultado do acréscimo de bares na região". (JT)


 

"Maquiagem"
Ocorrências são manipuladas

Em vez de homicídio, encontro de cadáver. No lugar de tentativa de homicídio, lesão corporal ou disparo em via pública. É dessa forma, de acordo com entidades de classe e especialistas em segurança pública, que policiais militares estão sendo pressionados a preencher boletins de ocorrência, maquiando os fatos. O objetivo seria baixar os índices de criminalidade no Estado.

A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) desmente as denúncias. Ontem, a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa discutiu as adulterações e aprovou requerimento para que o assunto seja abordado em uma audiência pública conjunta com a Comissão de Segurança Pública.

"Os militares sofrem assédio moral há pelo menos três anos", afirma o coordenador de cidadania e direitos humanos da Associação dos Praças Policiais e Bombeiros Militares (Aspra-MG), Luiz Gonzaga Ribeiro. Segundo ele, a exigência para falsificar os boletins está criando "uma guerra" entre os níveis de comando da PM. "É a política de resultados a qualquer custo", denuncia.

A Polícia Civil também tem sido coagida a contribuir para o "clima de aparente tranquilidade" no Estado, diz o ex-presidente da Associação dos Delegados de Minas Gerais Francisco Rabelo, 67, que se aposentou em outubro. "Quem dá alguma entrevista que desagrada ao governo é repreendido".

Inconsistência. Além da suposta manipulação dos boletins, a proibição de que unidades da PM divulguem dados sobre crimes violentos, adotada no mês passado, faz Minas retroceder na prestação de contas sobre a criminalidade, na avaliação do secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sérgio de Lima.

Estudiosos da área dizem que a melhor maneira de mostrar que há controle sobre a segurança é dando publicidade e veracidade aos números. "Os fatos mostram que a Seds não consegue, de fato, gerenciar e governar o setor", critica o pesquisador Robson Sávio. (JT)

Fonte: Jornal O Tempo, 16 de fevereiro de 2012