Falta de autonomia e baixo orçamento prejudicam perícia

Falta de autonomia e baixo orçamento prejudicam perícia

A cena do perito criminal no laboratório examinando vestígios para descobrir um serial killer (que comete assassinatos em série) é fascinante nos seriados de televisão. Na realidade brasileira, a perícia enfrenta dificuldades administrativas e técnicas para desvendar os crimes, a exemplo de Minas Gerais. Com o aumento da violência, o papel da perícia se tornou decisivo não só na resolução, mas também na prevenção, a partir da criação de um banco de dados de suspeitos. Enquanto a polícia não descobre um psicopata que está matando mulheres, ele faz mais vítimas.

Mas para analisar cenas de crimes, fazer exames e emitir laudos, os peritos reivindicam autonomia técnica e administrativa. Em 19 Estados, os institutos periciais não fazem mais parte da estrutura da Polícia Civil (PC) e possuem orçamentos próprios. Mesmo isso sendo uma tendência, o Instituto de Criminalística (IC) de Minas não consegue ser independente.

A Lei Orgânica da PC mineira, sancionada há um ano, estabelece essa autonomia, mas ela ainda não foi colocada em prática. O orçamento baixo é resultado disso. Até 25 de novembro deste ano, os gastos com “perícias técnico-científicas” representaram 0,44% (R$ 786.244) da despesa da PC (R$ 174,8 milhões – excluindo a verba para remuneração de pessoal).

“A polícia técnico-científica tem um custo alto, depende de aparelhos caros. O perito trabalha dentro de um laboratório para elucidar as provas técnicas do que a investigação está apontado”, explicou a superintendente da Polícia Técnico-Científica de São Paulo, Norma Sueli Bonaccorso. O órgão é uma espécie de “terceira polícia” há 15 anos, e se tornou referência no Brasil – os 3.800 peritos atuais realizam 1,3 milhão de perícias por ano (em Minas são 581 peritos e 160 mil laudos). Desde 1999, o número de homicídios em São Paulo caiu 65%, passando de 12,8 mil para 4.444, em 2013.

Para o juiz Douglas Martins, os institutos periciais devem ser o mais independentes possível, em relação à polícia e ao próprio Judiciário. “A perícia vinculada à polícia é um perigo para a sociedade. Em muitos casos, ela é decisiva na condenação. O perito tem que ficar longe do juiz, do delegado, do promotor. Se o delegado quer deixar o cidadão preso, ele pode manipular a perícia”, avaliou. Segundo Martins, a prova técnica é incontestável, por isso é muito difícil um juiz ir contra ela. “Mas se investe pouco nesse tipo de prova no Brasil. Os processos são basicamente de provas testemunhais”, destacou o magistrado.

Já o pesquisador Luís Felipe Zilli acredita que, mais do que uma perícia independente, é preciso investir nas investigações como um todo. “O grande gargalo da segurança pública em Minas é a baixa resolução de crimes violentos. A precariedade no Estado é de toda a Polícia Civil. A prova técnica ainda é muito subvalorizada, gerando inquéritos frágeis, sem retirar criminosos de circulação”, apontou. Zilli ressalta ainda que a fragmentação das polícias pode ser complicada. “Hoje já temos duas polícias (Militar e Civil) em Minas que não conversam”.

Tendência
Exemplos. São Paulo, Bahia, Goiás e Santa Catarina são alguns dos Estados onde a perícia é independente. Um dos primeiros foi o Rio Grande do Sul, em 1989. E, recentemente, o Amazonas.

Saiba mais
Dependente. Normativas da Polícia Civil em Minas vão contra a lei orgânica que daria autonomia para a perícia. As escalas dos peritos do interior, por exemplo, eram feitas pelo perito superintendente, mas foi repassada para o delegado chefe de polícia, que estabelece o ritmo de andamento do serviço sem critérios técnicos.

Imediatos. Peritos denunciam que prazos são ignorados. Uma requisição a que a reportagem teve acesso pedia uma vistoria em um local de incêndio para determinar origem de foco inicial com expedição imediata do laudo. “Esse laudo demoraria 30 dias, mas somos pressionados a dar resultados”, disse um perito, sob anonimato.

Fonte: O Tempo