Eles estão em espaços públicos, mas ainda assim ‘não são vistos’
“Desculpa aí, gente, pode passar”, diz um rapaz sentado na calçada com mais seis ou sete pessoas, demonstrando certo constrangimento por estar ali, ocupando um espaço que é público e que se tornou a maior cracolândia de Belo Horizonte, na Pedreira Prado Lopes, na região Noroeste. A reportagem se aproxima e pede para conversar. A resposta vem rápida: “Se ele aí (o fotógrafo) não for da polícia, posso falar”. Assim começa a nossa incursão em uma ferida exposta do Brasil, o consumo de crack, que, apesar de incomodar e ser tão visível, com pontos já tradicionais de uso e venda da droga, ainda tem personagens desconhecidos e abandonados pela sociedade.
Na capital, levantamento usado pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) – e feito a partir de observação das polícias e de outros serviços – revela a presença de quatro grandes “cenas de uso” do crack, popularmente chamadas de “cracolândias” . Elas abrangem ao menos cinco regiões da cidade: centro, Leste, Nordeste, Pampulha e Noroeste. Segundo Francisco Inácio Bastos, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) especializado em abuso de drogas, essas zonas consideradas tradicionais são aquelas onde o consumo e a venda de crack ocorrem diariamente e dividem espaço com outros tipos de comércio, alguns clandestinos. A Pedreira Prado Lopes é a prova do descaso: a maior concentração de usuários fica ao lado de uma delegacia, atualmente em reforma, e de um hospital.
Enquanto homens, mulheres e até crianças e adolescentes acendem seus cachimbos à luz do dia ou se afundam no álcool e outras drogas, a vida no local segue normalmente. A sujeira e a debilidade dos usuários não negam que a situação é grave, e o socorro, urgente, mas mesmo assim a cena já se tornou parte da paisagem urbana e a cada dia ganha novos territórios de uso.
Migração. Além das quatro grandes cracolândias, que são permanentes, os dependentes se movimentam de acor
do com a reorganização da cidade. Levantamento divulgado em 2011 pela Fiocruz apontava a presença de 280 minicracolândias na capital.
“Começamos a perceber que o fenômeno migra. A agudização de cenas na avenida Antônio Carlos, por exemplo, estava muito relacionada às obras de duplicação, aos espaços escuros de demolições. Com a conclusão, muitos saíram de lá. Da área hospitalar, alguns foram para a linha férrea. Se sumiram, não necessariamente deixaram de usar a droga, mas deixaram de fazê-lo ali. Isso impõe um desafio aos serviços, que é reconstruir as referências”, diz o subsecretário de Políticas sobre Drogas de Minas Gerais, Cloves Benevides.
Embora o crack venha sendo usado no país há mais de duas décadas e tenha ganhado caráter de epidemia em 2011, como o próprio governo alertou, ainda há poucos estudos que dão a dimensão do problema dentro e fora das metrópoles brasileiras. Durante os próximos quatro dias, a série “Reféns do crack” mostrará quem são esses usuários, como vivem e o que vem sendo feito para ajudá-los a superar o vício.
Fonte: O Tempo