Constituição meio cidadã

De início, reitera-se o entendimento de que, em nenhum lugar do mundo, há o ambiente de segurança total, absoluta. Assim, cada país, cada cidade, tem um inexorável patamar de insegurança, presumivelmente tolerável para se viver. A realidade fática tem mostrado que, no Brasil, em certas localidades, a criminalidade violenta tem provocado, insuportável e inaceitavelmente, ultrapassagem desse limite. A pergunta que não quer calar é: o que fazer? Mais polícia, mais severidade, menos tolerância, menos impunidade, clama a população. Porque não tem a obrigação de ser técnica, apresenta soluções para o que está acontecendo. Porém, profissionais de defesa social sabem que isso não é suficiente, visto que o fulcro da questão está em se identificar a vulnerabilidade, a causa, o porquê de estar imperando a violência da criminalidade. Vencida a tese de que a pobreza e a miséria seriam a origem desse angustiante transtorno social, há tendência de enquadrá-lo como decorrente de uma vulnerabilidade sociopolítica: a basilar cidadania está debilitada porque seus vetores, civilidade e civismo, estão sendo exercidos à meia-boca. Atualmente, a paz e a harmonia sociais estão desequilibradas porque direitos sociais são exigidos com vigor, mas deveres sociais não são cumpridos com rigor. Significa dizer que valores sociais não estão sendo respeitados e as regras sociais não estão sendo obedecidas na frequência e na intensidade pactuadas para o salutar convívio na sociedade brasileira. Documento extremamente importante para regular comportamentos e regulamentar procedimentos é nossa Constituição, denominada cidadã. Convém lembrar o contexto, a conjuntura em que foi elaborada e promulgada, onde vigoravam a síndrome dos direitos reprimidos e o paradoxo de cidadania plena através do reconhecimento constitucional dos direitos sociais. Em seu preâmbulo, fala de direitos, mas não faz referência a "deveres". Consultando-se o preâmbulo e os artigos iniciais de constituições de vários países, há referência clara tanto a direitos como a deveres. Assim, a atual Constituição, dogmática, formal e analítica, elencando direitos fundamentais e várias garantias, individuais e coletivas, está mais para Constituição social do que cidadã. A explícita referência aos direitos parece ter sido a senha para o esforço, o engajamento e a luta que culminaram com o reconhecimento e a consolidação de vários deles ou, então, com a sinalização de como alcançá-los. Lamenta-se que isso não tenha ocorrido em relação aos deveres. Sua omissão no texto constitucional ensejou que não ficasse clara a responsabilidade, a obrigação do indivíduo, dentro de um corpo social, de cumprir normas e valores. A incivilidade se abre para o desrespeito e a falta de civismo para a barbárie, o que exige correções fortes e urgentes, na inserção social, com destaque para a educação. A criminalidade violenta é um descompromisso com os deveres sociais que não estão enfatizados em nossa Constituição meio cidadã.

Fonte: O Tempo