Publicado por Jornal O Tempo, por Joana Suarez
Aline Diniz: Especial para O TEMPO
Se alguém não precisa estar preso não deve ficar nem um minuto no presídio, defendem especialistas. A implantação das audiências de custódia – quando a pessoa é apresentada a um juiz em um prazo de até 24 horas após a prisão, com a presença de promotor e defensor público – parece começar a resolver parte desse problema em Belo Horizonte ao evitar que muitas dessas pessoas entrem no sistema prisional. Das 14.153 audiências realizadas de agosto de 2015 até dezembro do ano passado, quase metade dos detidos acabou solta. Entre os liberados, só 10% reincidiram no crime, conforme a Defensoria Pública. Já entre os que saem da prisão, a reincidência é de 80%.
No sexto dia da série “Presos no sistema”, O TEMPO mostra as possibilidades que a Justiça tem hoje para reduzir o encarceramento em massa. Com o acesso às audiências de custódia ampliado é possível que o detido nem dê entrada no sistema e, por meio de concessões de penas alternativas, evita-se que pessoas aptas por lei a cumprir a sentença em liberdade fiquem em penitenciárias superlotadas que não oferecem ressocialização digna.
Apesar de já estar prevista no ordenamento jurídico desde a década de 90, conforme o defensor público criminal Fernando Camargos, em Belo Horizonte, as audiências de custódia só começaram a ser realizadas em agosto de 2015. “Foi um marco no sistema (por reduzir a entrada de presos nas penitenciárias)”, afirmou.
Camargos afirma que para resolver o problema do sistema, é preciso um conjunto de medidas. “Mas a audiência de custódia contribui muito, porque a pessoa que é solta após o processo tem menor chance de voltar a ser presa em flagrante. Na audiência, o defensor explica o motivo de ela estar sendo liberada e a situação processual dela. Já aquela pessoa que entra numa condição de superlotação, sem entender nada, acaba saindo pior”, explica Camargos.
O desembargador Alexandre Victor de Carvalho acrescenta que as audiências de custódia permitem que os magistrados tenham mais clareza para decidir sobre a prisão. Durante a sessão, o juiz ouve o detido e pode fazer perguntas, além das realizadas pelo delegado. “O ambiente de uma audiência é muito menos intimidador que o de uma delegacia”, pontua o desembargador. O entrave, diz Carvalho, é a mentalidade de muitos magistrados. “Não adianta a gente ter a audiência como ferramenta, se os juízes têm uma mente encarceradora. Por causa da pressão da opinião pública, eles acabam mantendo a prisão de quase todos e entregando de bandeja novos soldados para o crime organizado”, afirma.
Soltos. Na última terça-feira, após encerrado o motim na Penitenciária Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, dois detentos saíram “de alvará” – jargão utilizado nas prisões quando os detentos recebem o documento que autoriza responder o processo em liberdade. Assim como acontece com muitos, eles saíram de lá naquele dia com o tal papel na mão, uniformes vermelhos e chinelos (as unidades não costumam ter espaço para guardar uma muda de roupa e pertences dos presos), e sem saber até quando ficarão soltos ou se terão a chance de reconstruir a vida.
Do lado de fora, os familiares que estavam na porta preocupados com a rebelião do dia anterior, mesmo não sendo parentes deles, aplaudiram a liberdade, resta saber até quando.
Último dia
Amanhã. No sétimo e último dia da série de reportagens especiais “Presos no sistema”, O TEMPO traz um panorama geral da situação prisional no Brasil e no mundo, com exemplos da América Latina, dos Estados Unidos e da Europa. Além disso, uma entrevista com o secretário de Estado de Administração Prisional de Minas, Francisco Kupidlowski.
Código Penal
Lei limita a aplicação de penas alternativas
O Código Penal brasileiro limita as possibilidades de um juiz aplicar penas alternativas em vez do encarceramento. O juiz auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Thiago Colnago Cabral, acredita na necessidade de se alterar a lei para possibilitar aplicação de penas substitutivas em um maior número de casos.
Segundo Cabral, a legislação determina que esse tipo de condenação só seja aplicada em casos de em que o réu for primário, tenha cometido um crime com pena de até quatro anos de prisão e quando as circunstâncias do delito não tenham gravidade que indiquem a necessidade de detenção. Por causa desses requisitos, mesmo que o juiz acredite que uma pessoa reincidente não precise “pagar” atrás das grades, não há outra saída.
O magistrado defende uma alteração na lei incluindo a previsão de que, em situações fundamentadas, o benefício possa ser concedido para criminosos reincidentes. “Recordo-me de várias vezes em que apliquei condenação de prisão mesmo estando convencido de que uma pena alternativa seria suficiente”, revela. (AD)
“Prisão deveria ser exceção, mas, por causa da pressão, os juízes consideram todos os crimes graves.” Alexandre Victor de Carvalho, desembargador
Fonte: O Tempo