Sem investimento e inovação, combate à criminalidade cai.

Sem investimento e inovação, combate à criminalidade cai

Programas para reduzir os níveis de homicídio e criminalidade no Brasil – como o Fica Vivo, em Belo Horizonte, e as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), no Rio de Janeiro – foram citados como bons exemplos por um estudo recente do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No entanto, as ações, que ganharam reconhecimento mundial, parecem não ser tão valorizadas pelos governos estaduais e apresentam problemas que abrem brechas para a insegurança.

Os resultados do Fica Vivo – programa que foi criado em 2003 pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais –, por exemplo, foram analisados pelo Pnud até 2007. O problema é que, a partir dessa data, os investimentos estaduais diminuíram, analisa um dos idealizadores do projeto, o sociólogo Luís Flávio Sapori.

“Nos primeiros anos, o Fica Vivo mostrou seu potencial, mas depois de 2007, os homicídios cresceram muito. Infelizmente, o Fica Vivo não recebeu o devido valor por parte do governo estadual. Nos últimos seis anos ele realmente não se expandiu, não se aprimorou, se rotinizou e perdeu a vitalidade”, critica.

Até 2005, o Estado tinha inaugurado 19 Centros de Prevenção à Criminalidade (CPCs). De 2010 a 2011 não houve nenhum centro. Hoje, são 41, sendo que em 31 funcionam os programas Fica Vivo e Mediação de Conflitos.

Um dos motivos desse “abandono”, é a falta de verbas, conforme aponta o coordenador de prevenção à criminalidade da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social de Minas Gerais Talles Andrade de Souza. “Os anos de 2010 e 2011 foram difíceis. Tivemos algumas reduções orçamentárias e não conseguimos fazer algumas atividades. A partir de 2012, o programa refez seu marco lógico de atuação. Estamos atentos à própria dinâmica criminal, que mudou”, diz.

Após esse hiato de quase quatro anos sem grandes resultados, Souza descreve que cinco Centros de Prevenção foram criados depois de 2012, totalizando 31 unidades. Outras cinco estão em processo de implantação. “Os aportes aumentam em cerca de R$ 1,6 milhão por ano, com investimentos totais, em média, de R$ 14 milhões. A redução da criminalidade chega a 40% e 60%”, pontua.

No entanto, Souza reconhece que o programa precisa de ajustes. “A gente atua com a proteção social (com oficinas e articulação de rede) e isso precisa ser ampliado, além de termos que fazer o registro das principais demandas sobre o que a juventude está querendo”, afirma.

Mudanças. As taxas de homicídios na capital mineira estão em torno de 30 a cada 100 mil habitantes, quando o ideal seria que essa taxa estivesse abaixo de dez por 100 mil habitantes, informa Sapori. “O Fica Vivo é um programa com um potencial enorme de retirar os jovens do tráfico de drogas, mas é algo que ainda é pouco explorado. Essa poderia ser a linha de inovação nos próximos anos”, sugere.

Atividades

Olimpíadas. Uma das ações de integração entre os jovens das comunidades assistidas pelo Fica Vivo são as esportivas. Uma competição anual, que teve sua oitava edição em 2013, é realizada.

Dados

Crescimento. Números da Seds apontam crescimento da criminalidade violenta em Minas. No ano passado, foram registradas mais de 71 mil ocorrências deste tipo, enquanto em 2011, foram cerca de 66 mil. Segundo a secretaria, a cada cem mil habitantes mineiros, o Índice de Crimes Violentos aumentou 7,8%, se comparado a 2012 e 2011.

Tipo.
As estatísticas envolvem homicídio tentado e consumado, estupro tentado e consumado, roubo, extorsão mediante sequestro e sequestro e cárcere privado.

Descrição.
O balanço mostra separadamente os índices de homicídios consumados e de crimes violentos contra o patrimônio, que tiveram, entre 2011 e 2012, aumento de 0,8% e 9,3%, respectivamente.

O modelo de enfrentamento à violência adotado pelo Rio de Janeiro desde 2008 – as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) – também foi citado como bom exemplo pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Após cinco anos de implantação das unidades nas favelas cariocas, já é possível fazer um balanço do que deu certo e o que ainda é preciso melhorar.

Inspirado em uma experiência bem-sucedida na área de Segurança Pública em Medelín, na Colômbia, a primeira UPP no Rio foi instalada no morro Santa Marta, na zona Sul da capital fluminense. Desde então, 36 UPPs foram implantadas no Rio, beneficiando diretamente 540,5 mil pessoas. Até 2014 a previsão é que sejam mais de 40 unidades. Em junho de 2013, a Polícia Pacificadora contava com um efetivo de 9.072 policiais, e deve chegar a 12,5 mil até o próximo ano.

Um levantamento feito pelo jornal “O Globo” com estatísticas do Instituto de Segurança Pública (ISP), em 18 unidades pacificadores (que abrangem 29 comunidades), mostra que o total de assassinatos é de 8,7 a cada 100 mil habitantes. O número representa menos da metade da taxa média de assassinatos do país, que é de 24,3. Para se ter uma ideia, a taxa de assassinatos na capital norte-americana, Washington, é de 19 mortes a cada 100 mil habitantes.

Outro lado. Porém, após a queda dos índices de criminalidade e o aumento da sensação de segurança nas comunidades pacificadas, recentemente, as mesmas regiões foram protagonistas de episódios que mostram a fragilidade do modelo, e alguns já questionam se as UPPs “estariam em crise”.

Apenas neste ano, moradores relataram que, à noite, os tiros de fuzis voltaram a ser algo comum no morro do Chapéu Mangueira. Armamentos pesados também foram encontrados na Vila Cruzeiro e no Pavão-Pavãozinho. Ataques significariam uma tentativa de retomada do território pelos traficantes.

O professor da Fundação Getúlio Vargas e idealizador do site Entenda a Favela, Daniel Plá, lembra que o secretário de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, já declarou que o objetivo das UPPs não era acabar com o tráfico.

“Existe é uma grande preocupação dos moradores dessas favelas pacificadas em relação à continuidade depois das Olimpíadas. Outro desafio é a implantação em territórios maiores, junto com ações concretas de governo, como mais creches, melhor saneamento, saúde, educação e acesso. Juntos, reduziriam significativamente a criminalidade”, diz Plá.

O professor de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Michel Misse reconhece que o programa tem problemas que devem ser corrigidos. “Um dos principais problemas é de alguns policiais que insistem em fazer o que uma polícia moderna não faz: corrupção e tortura. O caso do Amarildo (ajudante de pedreiro cujo corpo desapareceu em julho, na Rocinha) é um exemplo disso, e são coisas que têm de ser superadas”. (Com agências)

“O caso do Amarildo aconteceu num momento em que o governo do Rio estava vulnerável pelas manifestações, mas serviu para que não se tenha outros Amarildos”.

Daniel Plá
– Professor da FGV e idealizador do site Entenda a Favela

Gestora descreve as dificuldades geradas pela redução de verba 

Um dos primeiros Centros de Prevenção à Criminalidade do Fica Vivo a ser inaugurado, ainda em 2005, foi o do bairro Palmital, em Santa Luzia, na região metropolitana de Belo Horizonte.

Segundo a atual gestora social do centro, Viviane Coelho Moreira, o local foi escolhido para receber um centro porque a região sempre apresentou um dos maiores índices de homicídios de todo o Estado. Atualmente a unidade oferece 19 oficinas e atende de 600 a 700 jovens de 12 a 24 anos que moram no território.

Viviane confirma que após 2007 foram identificados picos na criminalidade, a quantidade de oficinas diminuiu e, consequentemente, o número de jovens. “De fato, houve um período em que tivemos de diminuir o número de oficinas e alcançar menos jovens, mas, ao mesmo tempo, houve a reestruturação do programa, e começamos a nos aproximar mais desses jovens para entender em que contexto eles vivem”, conta.

O estudante Jonheverton dos Santos, 16, é um dos jovens que participam das oficinas de futebol de campo. “Faço as oficinas há sete anos, desde que começou o Fica Vivo. A ideia é boa e ajuda a comunidade, diminuiu um pouco a violência, mas nem tanto”, diz.

“Como esse é um centro que já tem muito tempo, as pessoas estão acostumadas, e precisamos mostrar algo que é diferenciado, inovar. Também é importante que a gente tenha um reconhecimento no Estado, no município e em outros setores”, observa a gestora social. (LM)

Fonte: O Tempo