Quem quer tratar não tem vaga

Quem quer tratar não tem vaga


Ao mesmo tempo em que a presença feminina é cada vez maior nos grupos de usuários de crack, o número de vagas de tratamento para elas em comunidades terapêuticas conveniadas com a rede pública de saúde não chega a 7% do total em Minas Gerais. Das 3.330, 2.811 são para homens, 213 para mulheres e 306 para crianças e adolescentes. O número é insuficiente para atender a demanda – hoje, 20% dos dependentes são mulheres (e 80%, homens). O resultado é que, quando uma usuária decide se tratar, ela não consegue vaga ou fica meses esperando, criando um cenário propício para que ela continue consumindo drogas.
 

É o caso da cabeleireira M.L.C., 34, que há três anos usa crack e, há um mês, depois de muita pressão da família, pediu para ser internada. “Estou disposta a me tratar, mas tenho medo de a minha família tomar minha casa. Não confio neles”, diz a mulher, com a mão trêmula e as unhas roídas. Ela mora sozinha com os dois filhos, de 14 e 2 anos – ela admite que já deixou o bebê sozinho para usar crack. “Eu já fiz isso, mas hoje não faço mais”.

Em julho, a família denunciou M.L.C. ao Conselho Tutelar e pediu ajuda ao Disque 100 (Disque Direitos Humanos) para tratamento. O caso foi parar no Ministério Público (MP). “Ela troca leite e fralda por droga. Veio um perito aqui ver a situação, e ele confirmou tudo que falamos. Mas em setembro recebi uma carta do MP dizendo que faltavam elementos que comprovassem as denúncias”, relata uma irmã da cabeleireira.

Ela procurou também a ONG Defesa Social, que faz encaminhamento para comunidades terapêuticas por meio do Cartão Aliança, do governo estadual, que custeia o tratamento dos usuários. Mas o presidente da ONG, Robert William, diz que não há vaga disponível. “O número de comunidades conveniadas aumentou nos últimos anos, mas ainda faltam vagas”.

Enquanto a vaga não sai, M.L.C. continua usando crack. “A última vez que eu usei foi nesta segunda à noite”, disse. A Secretaria Municipal de Saúde informou que não recebeu nenhum pedido de internação compulsória por parte do Ministério Público e que os Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam) são serviços de “portas abertas”, ou seja, atendem moradores de outras regionais e não precisam de encaminhamento ou agendamento prévio. Já o MPMG foi procurado, mas não comentou o caso.

Poder público.Os governos federal e estadual reconhecem a escassez de vagas para mulheres e dizem que faltam comunidades especializadas para esse público.

“Queremos contratar mais vagas, mas a questão é a especialização dessas entidades, a maioria é para homens. Essa é uma realidade do país”, diz o secretário Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, Vitore Maximiano. Ele ressalta, entretanto, que os Centros de Atenção Psicossocial – álcool e drogas (Caps-ad) – chamados de Cersam-ad em Belo Horizonte, mas com a mesma configuração – funcionam 24 horas e atendem homens e mulheres.

Sexo e drogas
Abuso.  A trajetória de mulheres com dependência química é marcada por abuso sexual, uso raro de preservativos e troca de sexo por dinheiro e drogas.

Prejuízos.M.L.F., 20, começou a usar álcool, drogas e a se prostituir com 13 anos. Nesse meio tempo, ela teve duas filhas, perdeu mais de 30 kg e contraiu doenças, inclusive Aids. “Eu sou um milagre de Deus, estou em uma casa de recuperação e vou me recuperar”, disse a jovem, em tratamento na região metropolitana da capital.


Fonte: O Tempo