Pec 37 a polêmica continua porém sem atacar o cerne da questão: Como modernizar o modelo da investigação criminal e da segurança pública no país.

Pec 37 a polêmica continua porém sem atacar o cerne da questão: Como modernizar o modelo da investigação criminal e da segurança pública no país.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37 de 2011 que retira o poder de investigação do Ministério Público (MP) não é a primeira tentativa de cerceamento das prerrogativas do órgão a chegar no Legislativo. Ao longo dos anos, tanto em âmbito federal como no estadual, os MPs já sofreram outras investidas que buscaram diminuir suas atribuições.

No Congresso Nacional, uma das tentativas que ficaram famosas foi a chamada "Lei Maluf", que se baseia no argumento de que "ações de improbidade são ajuizadas de maneira indiscriminada". Assinada pelo deputado Paulo Maluf (PP-SP), o Projeto de Lei 265 de 2007 prevê punições para integrantes do MP que ingressarem com ação civil pública supostamente motivados por questões individuais, como promoção pessoal, má-fé ou perseguição política.

A proposta determina, se for comprovada a "má-intenção", multa ao autor da denúncia equivalente a dez vezes o valor das custas processuais, além dos honorários dos advogados.

A movimentação mais recente da proposição na Câmara foi em 2008, quando obteve parecer positivo da Comissão de Constituição e Justiça e está pronta para ir a plenário. Diferentemente de uma PEC, que necessita de aprovação por dois terços (308 dos 513 deputados), os projetos de lei precisam apenas de maioria simples. Ou seja, passaria com mais facilidade pelo plenário.

Paulistas. A investida mais recente contra o MP é a que tramita desde o início do ano na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). A proposição ficou conhecida como a "PEC Estadual da Impunidade", em referência à proposta semelhante do Congresso. Assinada por 33 deputados estaduais, ela concentra nas mãos do procurador geral de Justiça do Estado as investigações relativas ao governador, ao vice-governador, aos secretários, aos prefeitos e aos próprios parlamentares.

Os movimentos contrários à emenda argumentam que, caso seja aprovada, a PEC irá gerar um acúmulo de trabalho para o procurador geral, a quem caberá monitorar mais de 600 autoridades espalhadas pelo Estado e, eventualmente, investigá-los e denunciá-los ao Poder Judiciário.
"Sem dúvida, as investigações serão difíceis e demoradas, as provas se perderão com o tempo, e o resultado final será a ocorrência de prescrição dos atos ilícitos e de improbidade administrativa", afirma a Associação Paulista do Ministério Público (APMP) no abaixo-assinado divulgado na internet.

Exemplo
Em Rondônia, `Lei da Mordaça´ já impera há dez anos

Em Rondônia, integrantes do Ministério Público são proibidos, desde 2002, de se manifestarem sobre processos em andamento. Além disso, são proibidos de comentar decisões judiciais. A norma, que ficou conhecida como "Lei da Mordaça", permite apenas o posicionamento dos profissionais nos autos dos processos, assim como em estudos e obras técnicas. Entrevistas à imprensa sobre investigações, por exemplo, não podem ser concedidas.

A determinação foi aprovada há mais de dez anos pela Assembleia Legislativa do Estado por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC).

Na tentativa de mudar essa realidade, a Procuradoria Geral da República ingressou, no início de fevereiro, com ação no Supremo Tribunal Federal contra a restrição. A peça é assinada pela subprocuradora geral Deborah Duprat, que pede urgência na apreciação da ação, com a concessão de liminar para derrubar a lei. O relator é o ministro Antonio Dias Toffoli.

Imprensa. A "mordaça" já assombrou integrantes do MP anteriormente e chegou bem perto dos jornalistas. Em 2011, a CCJ da Câmara dos Deputados aprovou o projeto que tipifica como crime vazamento de informação de investigação criminal sob sigilo.

Ou seja, se jornalistas divulgassem dados, também poderiam ser enquadrados no texto, que prevê pena de dois a quatro anos de prisão, além de multa. A proposição está pronta para ir para plenário. (LA)

Cartada final será no dia 24

Promotores recolhem assinaturas em repúdio à PEC e para barrar aprovação da proposta.

A agilidade com que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 37 tramitou no Congresso assustou promotores e procuradores. Mas se, por um lado, a rápida passagem do texto pela Comissão de Constituição e Justiça e pela Especial da Câmara dos Deputados, à primeira vista, prejudica os integrantes dos Ministérios Públicos (MPs), serviu para mobilizá-los fortemente por todo o país.

No próximo dia 24, um grande ato será realizado no Congresso Nacional para a entrega de um abaixo-assinado contra a proposta que retira dos MPs o poder de investigação. As assinaturas estão sendo recolhidas pelo país em eventos de repúdio à proposta, que fazem parte da campanha nacional.

A mobilização foi iniciada por procuradores e promotores assim que o Congresso deu os primeiros sinais de que a PEC seria aprovada na Comissão Especial.

O segundo passo foi levar a discussão para a sociedade em seus mais diversos segmentos. A semana passada foi a escolhida pela coordenação da campanha para os atos públicos. Em Minas Gerais, no dia 9, eventos foram realizados em todas as regiões do Estado. Também no dia 12, foi organizado um grande ato dos MPs em Belo Horizonte.

Os esforços, agora, serão concentrados na bancada federal mineira. No dia 17, será a vez de os parlamentares do Estado ouvirem o apelo de promotores e procuradores de Justiça para que se posicionem contra o texto. A série de protestos é uma reação à possibilidade de a emenda ser aprovada ainda neste mês, já que o texto está pronto para ir a plenário.

Recurso. Os representantes do MP já falam em alternativas para a possibilidade de a PEC ser aprovada pelo Congresso. "Na hipótese de ser aprovada, o que torço para não acontecer, teremos que buscar o pronunciamento do Supremo Tribunal Federal e algum recurso de natureza jurídica", afirmou o procurador geral de Justiça de Minas, Carlos André Bittencourt, na semana passada, durante debate no plenário da Assembleia Legislativa.

 

Entrevista
"Com a PEC 37, esse trabalho cooperativo ficará atingido"
Procurador geral de Justiça de Minas entre 2000 e 2004, Nedens Ulisses é um dos principais articuladores da mobilização contra a PEC 37 no Estado. Ele ressalta que o movimento dos MPs não tem cunho corporativista, mas nasce da defesa da democracia.
Do que trata a PEC 37? O que está em jogo? O assunto pode ser árido, mas tem uma repercussão muito grande na vida de cada cidadão e da sociedade em geral. A PEC 37 é uma Emenda Constitucional, muda a Constituição da República e, infelizmente, muda para pior. Estabelece um retrocesso no sistema de investigação criminal do país porque o resultado é que, se ela for aprovada, só o delegado de Polícia Civil, nos Estados, ou da Federal, no âmbito nacional, poderá investigar. Todos os demais órgãos que investigam estarão alijados dessa etapa da percepção penal, que é a investigação criminal.

Ou seja, não é algo que afeta só o Ministério Público? Pelo contrário, afeta todo o sistema. O Ministério Público vem se posicionando, e vários órgãos, instituições e a sociedade estão firmando posicionamento contrário à PEC 37, não contra a polícia, não contra os delegados de polícia, pelo contrário. Das investigações de que o Ministério Público participa, em quase todas elas, o MP participa com a Polícia Civil, com a Polícia Militar, com as receitas, com as agências nacionais para tentar dar uma resposta a essa criminalidade cada vez mais violenta e organizada. Com a PEC 37, esse trabalho conjunto, cooperativo e harmonioso ficará atingido.

Quais outras entidades ou órgãos seriam afetados por essa emenda caso aprovada? Um exemplo: a Receita Estadual ou Federal apura um crime de sonegação fiscal – e eles têm agentes especializados pra isso – esse material todo é recolhido, passa pelo promotor de Justiça, que oferece a denúncia. Amanhã, aprovada a PEC 37, obrigatoriamente, terá que passar pelo delegado de Polícia, que fará sua homologação ou não, instaurando um inquérito policial e, depois, encaminhado para o Ministério Público. Então, vários órgãos, vários agentes que atuam na investigação criminal ficarão alijados dessa atividade. E o resultado é grave. Se, hoje, com todos nós trabalhando em conjunto, ainda não damos a resposta satisfatória que a sociedade espera, amanhã, com só os delegados investigando, ficará incontornável e incontrolável.

O senhor sabe o que justificaram os autores da PEC 37? O deputado que apresentou é o Lourival Mendes (PTdoB-MA), delegado de polícia. As explicações são muitas: que o MP não pode investigar e, ao mesmo tempo, oferecer denúncia, que o MP tem que ficar aguardando no seu gabinete a investigação criminal concluída pelo delegado de polícia e outros argumentos. O argumento é tão equivocado a meu ver que as associações e delegados falam que é uma mentira quando se fala que o MP está perdendo o poder de investigação porque o MP nunca teve esse poder. Daí eu pergunto: se fosse verdade essa alegação, por que estão mudando a Constituição para estabelecer essa exclusividade para a polícia judiciária? Há, por trás, realmente, um interesse corporativo de pessoas ligadas à polícia em relação a esse projeto? Eu tenho muito respeito pelos delegados de polícia, mas é mais uma tentativa de obter mais força institucional.
 
Daí, o aparato policial vai ter que crescer estruturalmente pra dar conta de tudo. O que nós deveríamos estar discutindo, hoje, inclusive no Congresso, são projetos para dar melhor estrutura à polícia judiciária, melhor condições de trabalho para a Polícia Civil, maior autonomia e também um outro aspecto, como regulamentar melhor o procedimento de investigação criminal.

Podemos concluir que todos os delegados civis e federais são favoráveis a PEC 37? De forma alguma. Nós temos, no decorrer desse trabalho, recebido apoios significativos de delegados da Polícia Civil, que é a polícia judiciária no Estado, e de delegados da Polícia Federal contra a PEC 37 e dizendo da importância incomensurável do trabalho conjunto que vem sendo realizado no decorrer desses últimos 15 anos.

Podemos imaginar que há um interesse dos mandatários de cargos eletivos em tirar poder do MP, uma espécie de "pedra do caminho"? Não. Pode ser que um ou outro ou alguns pensem assim. Mas a atividade política, a administração pública, não é o alvo preferencial do MP. O alvo é muito mais amplo. Todo crime é, principalmente aquele crime que tem uma repercussão social maior. Por exemplo, estão falando nessa operação (Robusta) de milhões e milhões de reais, quando todas as prefeituras estão ressentindo com a falta de dinheiro para a prestação de serviços públicos essenciais: saúde, educação, defesa da criança e do adolescente etc. Então, esse comportamento merece um repúdio muito maior e da sociedade e, portanto, uma fiscalização ainda maior dos órgãos do Estado, entre os quais, o MP.

Fonte: Jornal O Tempo