O dia 8 de março deve ser visto como o "Dia das Mulheres"
O que há de comum e de diferente entre elas
O livro "A Distância entre Nós", da escritora indiana Thrity Umrigar, conta a história de duas mulheres, de castas diferentes, uma patroa, outra empregada doméstica, na Índia. Nada havia em comum nas vidas das duas, salvo que ambas eram vítimas da violência dos maridos. Foi isso que as uniu no sentimento de gênero, tudo o mais as diferenciava.
No Dia Internacional da Mulher, foi possível lembrar outros pontos em comum entre as mulheres: a discriminação nos empregos e nos salários, serviços domésticos a que estão obrigadas mesmo quando têm trabalho fora de casa, responsabilidades maiores no cuidado com os filhos, os assédios sexuais e todas as formas de "bullying" machista. Mas, além dessas semelhanças, é preciso lembrar o quanto as mulheres são diferentes.
Todos os dias, milhares delas são obrigadas a "abandonar" suas crianças provisoriamente para cuidar dos filhos de outras mulheres. Algumas mulheres têm filhos com brinquedos e estímulos intelectuais desde a primeira infância, outras veem seus filhos desperdiçando o período mais importante de sua formação. Um filme norte-americano, "Histórias Cruzadas", mostra o sentimento de uma empregada que cuida dos filhos de outras mulheres, rodeados de todo o conforto e de brinquedos, enquanto seus filhos estão abandonados. São duas mulheres, mas duas posições tão diferenciadas que nos permitem perguntar se as duas devem comemorar o mesmo dia. O filme é sobre o Sul dos Estados Unidos, no
começo dos anos 1960, mas se aplica perfeitamente ao Brasil de hoje.
A diferença não se limita à primeira infância, continua ao longo do processo educacional. Uma parte das mulheres têm seus filhos em escolas de qualidade; outras, têm seus filhos fora da escola ou em pseudoescolas, que não os preparam para o futuro.
Entre as mulheres brasileiras, cerca de 500 mil têm filhos presos. Elas sabem que seus filhos caíram no crime menos por maldade do que por falta de oportunidade na vida; são analfabetos ou não concluíram as primeiras quatro séries de estudo. No Brasil, 35.596 mulheres passaram o Dia Internacional da Mulher atrás das grades, e quase todas também por falta de chance no passado.
Centenas de milhares de mães passaram o dia 8 de março carregando filhos sem alimentação em uma fila para serviço médico, sabendo que não seriam atendidas por profissionais ou hospitais públicos; e, se atendidas, não saberiam se conseguiriam dinheiro para os remédios.
Muitas mulheres estiveram, no dia 8 de março, na situação de viúvas de maridos vivos, distantes de casa, nem sempre por abandono, tão comum hoje em dia, mas porque estão tentando ganhar a vida onde surgem empregos.
Por tudo isso e por outras diferenças, o dia 8 de março não deve ser visto como o "Dia da Mulher", mas como o "Dia das Mulheres", sem esquecer o que há em comum entre elas nem esconder o muito que há de diferença, apesar da identidade de gênero.
Cristovam Buarque
Professor (UnB) e senador (PDT-DF)
Publicação no caderno opinião do Jornal O Tempo de 15 de março de 2013