Nós vamos invadir seu shopping.

Nós vamos invadir seu shopping

A imensa maioria dos jovens que hoje fazem “rolezinhos” sequer tinha nascido quando, nos anos 80 do século passado, a banda “Ultraje a Rigor” causou furor com o hit “Nós Vamos Invadir Sua Praia”. Gostaria de ter espaço para copiar aqui a música inteira, mas só vai caber um trecho: “Daqui do morro dá pra ver legal/ o que acontece aí no seu litoral./ Nós gostamos de tudo, nós queremos é mais/ do alto da cidade até a beira do cais/ mais do que um bom bronzeado/ nós queremos estar do seu lado”.

Apenas trocando o cenário da praia por um shopping center, podemos dizer que a mensagem daquela música continua atualíssima. Passados quase 30 anos, os atos – pacíficos até agora, diga-se – de denúncia de nosso apartheid social evidenciam o fracasso da dita redemocratização no que diz respeito à integração de todos os brasileiros em um “sonho feliz de cidade”, como diria Caetano Veloso.

O curioso é perceber que o deslocamento de paisagem agrega ao protesto a elevação ao paroxismo do consumismo como valor dominante nesta nossa sociedade. Antes, Roger Moreira e companheiros denunciavam a falta de compartilhamento de espaços de lazer. Hoje, a periferia denuncia a falta de lazer, a falta de dinheiro para comprar, a falta de oportunidades para ganhar dinheiro honesto e, daí, poder comprar e se divertir. E, para um país como o Brasil, que só é superado, na América Latina, por Guatemala, Honduras e Colômbia no quesito desigualdade social, o atrevimento dos ricos em seu hedonismo conspícuo só poderá agravar a revolta dos excluídos e detonar a violência generalizada.

Será que não notamos que o barril de pólvora poderá explodir a qualquer momento? Arrastões, crack nas ruas, degolas em cadeias medievais, crescimento dos índices de latrocínio permitem-nos antever a barbárie que se avizinha.

Lamentável é perceber que um partido político que um dia se reivindicou socialista e democrático tenha sido responsável, nos últimos dez anos, por um governo que não conseguiu deter o acirramento desse quadro de guerra social. Pior: que contribuiu com sua consigna de “fortalecimento do mercado de consumo interno de massas” para essa sideração, verdadeira narcose de nossa juventude em torno da ideia de que a felicidade reside em consumir o que quer que possa ver convertido em mercadoria e ponto final.

Lula e os seus foram tomados de surpresa pelos eventos de junho do ano passado. Parece que não aprenderam nada. A juventude continua em ebulição, cada um procurando, por si só, seu lugar ao sol. Todos querem o último gadget da indústria informática, mesmo sem terem acesso à banda larga mais potente. Querem carro, querem poder trocar de carro a cada ano, mas não irão a qualquer lugar, como já profetizava, há muito, Ignácio de Loyola Brandão em sua monumental obra “Não Verás País Nenhum”.

Ao chegar aos 70 anos, ainda luto e reluto para não me deixar levar pelo pessimismo, por exemplo, de um Saramago. Sei que há saída em algum lugar. A gente apenas ainda não encontrou.

Fonte: O tempo