Mais policiais estão sob suspeita em Belo Horizonte.

Mais policiais estão sob suspeita em Belo Horizonte

O sofrimento estampado no rosto da dona de casa Jaqueline da Silva de Faria, de 36 anos, retrata a dor que ela sente por ter perdido o único filho, Alex de Faria Diniz, de 19, na véspera do Natal. O jovem foi assassinado por policiais militares dentro de casa, no bairro Lindéia, região do Barreiro, em Belo Horizonte, na tarde de 24 de dezembro. Na semana passada, a Justiça decretou a prisão dos soldados Leandro da Silva e Nilberto Silva Júnior, da 1ª Companhia de Missões Especiais, acusados de executar Alex a tiros, na frente da mulher e do filho, de 9 meses. “Ele foi perseguido e morto sem piedade”, lamenta a mãe.

Há quase um ano, outra família da capital viveu o mesmo drama. O técnico em enfermagem Renilson Veriano da Silva, de 39 anos, e o sobrinho dele, o auxiliar de padeiro Jefferson Coelho da Silva, de 17, foram executados na madrugada de 19 de fevereiro de 2011, no Aglomerado da Serra, região Centro-Sul, por militares do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam).
Os soldados Jason Ferreira Paschoalino e Jonas David Rosa estão presos. Outros dez policiais indiciados por envolvimento no duplo homicídio continuam trabalhando. Um cabo se suicidou na prisão. “A Justiça é que vai decidir o que nós merecemos”, desabafa o aposentado Petrino Veriano da Silva, de 72 anos, pai e avô das vítimas.

Outra denúncia de execução envolvendo policiais militares, em BH, veio à tona em 2 de novembro do ano passado. Os cabos Apolônio Maurício da Silva e Edinilson Rocha Pires, do 22º Batalhão, são acusados de assassinar uma moradora de rua de 30 anos e tentar matar outra em um galpão desativado da Avenida Nossa Senhora do Carmo, no bairro São Pedro, também na região Centro-Sul. A prisão temporária de Apolônio, apontado como autor dos disparos, foi transformada em preventiva. O outro militar responde o processo em liberdade e exerce funções administrativas.

O crime de execução não é discriminado nas estatísticas da Ouvidoria de Polícia, que repassa as denúncias às corregedorias da PM, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros. Mas, na avaliação do filósofo Robson Reis Sávio, coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, os três casos envolvendo 16 militares – de forma direta e indireta –, registrados em 2011, apenas na capital, mostram o agravamento do problema. “Por mais atuantes que sejam as corregedorias, elas continuam corporativistas. As pessoas sabem disso e têm medo de denunciar, preferindo se manifestar por meio das redes sociais”.

O ouvidor de Polícia Paulo Vaz Alkmim ressalta que, em 2010, apenas uma ocorrência ganhou destaque. O cabo Rodney Balbino Leonardi, apelidado de Robocop, foi apontado como líder de um grupo de extermínio que atuava em São José da Lapa e Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Ele foi exonerado e está preso.

Embora garanta que não há indicativos de maior envolvimento de militares em execuções, o assessor de comunicação do Comando-geral da PM, major Marcone de Freitas Cabral, confirma que em 2010 houve apenas um caso. “Estamos em cima dos desvios de conduta, resolvendo os problemas dentro dos ditames legais”.


Maioria das denúncias é rejeitada


As denúncias que chegam à Ouvidoria de Polícia são analisadas, classificadas por tipo de desvio de conduta e repassadas às corregedorias. A avaliação é feita pelo ouvidor Paulo Alkmim, junto com três assessores: um tenente-coronel da Polícia Militar, uma delegada e um major do Corpo de Bombeiros. “As corregedorias levam até três meses para decidir se os casos serão encaminhados à Justiça Militar ou comum, ou se serão arquivados. Mais de 50% são reprovados. Quando eu não concordo com a rejeição, encaminho as reclamações ao Ministério Público Estadual”, diz o ouvidor.

O filósofo Robson Reis Sávio, pesquisador da PUC Minas, que já atuou como consultor das corregedorias, garante que mais de 80% das denúncias são arquivadas. “A alegação é falta de provas. No caso do Aglomerado da Serra, tentaram colocar panos quentes, mas a versão dos militares ficou insustentável diante da repercussão”. Os policiais do Batalhão Rotam alegaram ter revidado os tiros disparados pelas vítimas.

Pelo menos 90% das denúncias que chegam à Ouvidoria passam também pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. O presidente da comissão, deputado Durval Ângelo, afirma que o caso da Serra foi um divisor de águas na atuação da Corregedoria da PM. “Houve uma mudança radical na postura, o fim do padrão Rotam da conivência e da cumplicidade com os desvios de conduta”.

Se Petrino Veriano da Silva, pai de uma das vítimas e avô da outra, coloca o desfecho do caso nas mãos da Justiça, outro filho dele, Jailson, de 30 anos, cobra mais rigor e agilidade na punição dos culpados. “Apenas dois PMs acusados estão presos até agora. É muito pouco diante de tantas provas já apresentadas”.

Jaqueline de Faria, mãe do rapaz assassinado no Lindéia, e outros familiares, estão confiantes no trabalho da Corregedoria. “Queremos justiça. Vamos pedir que seja feita a reconstituição do crime, para comprovar a ação desses bandidos de farda”, afirma a costureira Aparecida Diniz, de 63 anos, tia da vítima.

O assessor de comunicação da PM, major Marcone de Freitas Cabral, garante que a corporação aplicará as devidas punições. A mais grave é a exoneração. No entanto, ele disse que não há previsão de quando as investigações serão concluídas.

 

Fonte: Jornal Hoje Em Dia, 15 de janeiro de 2012