Há 30 anos, a PM abria as portas para as mulheres
No início, elas eram apenas 112 armadas de força, coragem e determinação, dispostas a romper a barreira do preconceito e conquistar o seu espaço. Hoje, passadas três décadas, somam 3.879 nas fileiras da corporação. Há exatos 30 anos, a resistência machista perdeu lugar e a Polícia Militar de Minas Gerais ganhou um toque feminino, com a entrada das primeiras mulheres.
Em 1° de setembro de 1981, em um gesto inédito para a força militar em Minas, 120 mulheres pisaram pela primeira vez em um quartel, após prestarem concurso público, para integrar o primeiro curso de formação de sargentos femininos. Destas, 112 se formaram em um momento histórico para a nova polícia que surgia.
Com a entrada das mulheres, os homens da PM precisaram se reeducar e comportar de maneira diferente. Foi preciso aprender a conviver com o sexo feminino no ambiente de trabalho, que passou a ser ainda mais organizado, segundo relatos dos próprios militares.
Quem viveu essa mudança sabe das dificuldades enfrentadas para provar o seu valor. A tenente-coronel Cláudia Romualdo, de 43 anos, orgulha-se de ter sido uma das primeiras a ingressar na Polícia Militar de Minas Gerais.
Ela dedicou os últimos 25 anos à carreira militar e hoje comanda uma tropa de 500 homens no 36° Batalhão, em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Cláudia Romualdo entrou para a polícia aos 18 anos, em 1986, na terceira turma de mulheres da corporação. Mas a sua história na PM começou muito antes. Filha de um coronel da reserva, ela estudava no Colégio Tiradentes, em Belo Horizonte, e sempre frequentou o clube dos oficiais, no Bairro Prado, na Região Oeste da cidade.
Como se fosse ontem, ela recorda do dia em que estava no clube, na época com 12 anos, e se pendurou no muro para observar o treinamento das mulheres no quartel que ficava ao lado. “Todas mostravam dedicação e competência no ofício de fazer segurança pública. Daquele dia em diante, eu sabia o que queria ser quando crescer: uma oficial da Polícia Militar”, relembra.
Reconhecida por seus colegas de farda, Cláudia Romualdo é vista como uma excelente profissional nas atividades operacional e administrativa. Para os homens, não existe problema em ser comandados por uma mulher. Ao contrário, alguns destacam o lado positivo. “Elas são mais organizadas e atentas a cada detalhe. Nada passa despercebido”, afirma o soldado do 36° Batalhão da PM Alessander Freitas Santos.
Ao alcance de quem se dedica
Mais do que integrar o quadro de praças e oficiais da PM, as mineiras provaram que a capacidade de ocupar cargos estratégicos na segurança do Estado está ao alcance de quem se dedica. A coronel Neuza Maria Aparecida Mendes, de 44 anos, é a prova desta realidade. Os últimos 25 anos foram dedicados à carreira militar, lhe renderam vários cursos de formação e aperfeiçoamento e cinco condecorações, além de respeito e admiração dos colegas.
Vestida em seu uniforme impecável, com maquiagem leve e brincos discretos, ela – hoje responsável pelo departamento de saúde da PM em Minas Gerais – esteve na semana passada no 1° Batalhão da Polícia Militar, no Bairro Santa Efigênia, na Região Leste de BH, onde tudo começou. Era a única mulher da unidade e uma das responsáveis pelo comando de uma tropa de 1.200 homens.
Ela entrou para a polícia em 1986, na terceira turma de sargentos femininos da corporação. Desde que ingressou na polícia vem dando prova de seu valor como representante do sistema de defesa social. Ela trabalha praticamente durante todo o dia e ainda faz questão de conciliar o ofício com as questões familiares, dando atenção integral aos seus mais preciosos bens, o marido, que também integra o quadro de oficiais da PM, e às duas filhas, Gabriela Ariane Ribeiro Mendes, de 16 anos, e Rafaella Yasmin, de 10.
Mesmo beneficiada pela legislação, que já lhe permite o direito de aposentar, Neuza conta que pretende trabalhar por mais cinco anos na Polícia Militar. “Nunca sofri preconceito e gosto muito do que faço”, conta a oficial, que ainda acrescenta: “A mulher veio para ficar, somar e mostrar. Mas, muito mais do que isso, hoje temos a certeza que uma nação se constrói com dedicação e competência, independentemente do sexo”, diz.
Luciene Albuquerque: a pioneira
Tudo começou de forma despretensiosa. Há 30 anos, a então estudante do quarto período de Engenharia Civil na PUC Minas, Luciene Magalhães de Albuquerque, resolveu ceder aos apelos da mãe, professora do Colégio Tiradentes, e prestar o concurso para a carreira militar. Ela não só passou em primeiro lugar no teste como descobriu uma aptidão até então inimaginável.
Bastou a primeira aula do recém-criado curso de formação de sargentos femininos para a jovem de apenas 19 anos se apaixonar pelo ofício e descobrir sua verdadeira vocação. Anos mais tarde, Luciene se tornaria coronel, sendo a primeira mulher a comandar uma tropa masculina no Brasil.
Hoje, reformada, ela ainda conta com detalhes e bom humor, longos casos sobre o início da carreira militar. Alguns, emblemáticos, vão ficar marcados para sempre na memória da coronel Luciene.
“Logo após o curso, fomos para a Avenida Afonso Pena fazer patrulhamento de rua. Um rapaz passava de carro e ficou olhando, meio assustado com cena, vendo aquelas mulheres de farda. Ele se distraiu tanto que bateu o carro no veículo que estava em sua frente. Eu mesma lavrei o boletim de ocorrência, que foi o meu primeiro”, conta, aos risos, a oficial.