Falta de pessoal afeta serviços na Polícia Civil
A falta de pessoal na Polícia Civil em Juiz de Fora afeta não só as investigações – conforme já mostrou a Tribuna em reportagem recente, quando revelou que os delegados precisam escolher quais crimes vão investigar -, mas também os serviços gerais oferecidos à população. O déficit de policiais civis resulta em mau atendimento em diversas atividades, como a vistoria veicular, o setor de habilitação de motoristas e o de emissão de carteira de identidade. A situação é tão crítica que a Polícia Civil solicitou à Prefeitura de Juiz de Fora a cessão de servidores de digitação para que atuem na confecção de documentos de trânsito, liberando os policiais civis para a investigação. No entanto, em virtude do encerramento de convênios devido ao período eleitoral, a parceria não pôde ser efetivada. Hoje entre 12 e 15 policiais civis estão lotados no setor de trânsito. A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) pretende contratar cerca de 900 estagiários de direito para auxiliar o trabalho dos delegados em todo o estado. A única sinalização positiva até agora é a convocação de excedentes do último concurso da Polícia Civil, situação que, ainda assim, é considerada insuficiente para resolver o colapso no qual já se encontra a entidade. Este mês, também foi divulgada a autorização para concurso público na instituição, com oferta de 1.497 vagas.
Mas enquanto as soluções não chegam na prática, o que se percebe é a má prestação de serviços a quem depende da instituição. Na delegacia de Santa Terezinha, no setor de habilitação, muita espera. A reportagem acompanhou a situação no local em várias ocasiões. No dia 15 de agosto, dos três guichês de atendimento, apenas dois contavam com computadores, mas somente um estava ocupado por funcionário. Na máquina que libera a senha de espera, o canhoto indicava o número 45. Já o painel eletrônico mostrava apenas o 28º atendimento, revelando que as pessoas que estavam na fila ainda aguardariam por um bom tempo. "O pior é que, às vezes, você vem só pra pegar um documento que já está pronto ou fazer uma solicitação simples. Mas, como não tem gente para atender, você precisa gastar uma tarde inteira para resolver uma coisa simples", reclamou o vendedor Wendel Ferreira Barroso, 27 anos, que precisou pedir folga no trabalho naquele dia para ir à delegacia.
Já no posto de identificação que funciona na Câmara Municipal são somente dois policiais civis para realizar uma média de 180 emissões de carteiras de identidade por dia. Embora os servidores estaduais recebam ajuda de funcionários do Legislativo, o efetivo é considerado insuficiente. O mesmo número de policiais é disponibilizado na Unidade de Atendimento Integrado (UAI) do Independência Shopping, onde a Polícia Civil também expede certidões de antecedentes criminais.
Fila
O serviço de vistoria veicular no posto do Detran, atrás do Terminal Rodoviário Miguel Mansur, também é precário pela falta de efetivo, o que pode fazer com que motoristas fiquem horas na fila. No pátio, trabalham apenas cinco policiais civis para atender diariamente até 400 veículos. Uma vez por semana, um dos vistoriadores ainda é destacado para realizar trabalhos nos pátios dos depósitos de carros apreendidos. Além disso, em agosto, um funcionário entrou de férias, desfalcando a equipe. Conforme a Tribuna apurou, não é raro ver os servidores atuando até por volta das 19h, sendo que o expediente deveria se encerrar às 17h. Há menos de dois anos, o número de vistoriadores chegou a oito. Esses policiais são responsáveis por realizar a vistoria em mais de dez situações diferentes, como nas transferências de propriedade do automóvel, primeiro emplacamento e mudança da natureza do veículo.
No Instituto Médico Legal (IML), apenas dois auxiliares de necropsia estão lotados na sede, que funciona no Bairro Granbery, região central. Mesmo com a escassez de pessoal, a Polícia Civil em Juiz de Fora ainda realiza o serviço de verificação de óbito, o que deveria ser feito pelo Poder Público Municipal.
Defasagem emperra as investigações
A defasagem no quadro de policiais é um dificultador das investigações e, consequentemente, da punição dos criminosos. Sem ter como apurar todos os crimes, os delegados escolhem os mais graves. Em julho, segundo informação do setor administrativo da 1ª Delegacia Regional, em Santa Terezinha, do total de 21 delegados, oito, ou seja, mais de um terço, afastaram-se alguns dias ou ficaram longe do posto de trabalho no mês inteiro por motivo de férias e/ou licença médica.
A Tribuna acompanhou a situação em algumas oportunidades. No dia 19 de julho, por exemplo, não havia delegados para atender na 4ª Delegacia Distrital. O titular estava de férias, e a substituta estaria em viagem no período da tarde. No final do dia, pelo menos oito pessoas esperavam para ser atendidas no corredor. "Estou aqui desde 14h esperando, e nada. Saí do trabalho meio-dia e meia e vim direto para resolver logo. Me informaram que a delegada chegaria às 14h, mas estou há quase três horas esperando. Tive o carro apreendido e preciso que ela autorize a liberação. Por conta disso, terei que arcar com mais uma diária, sem ter condições", reclamou uma diarista, 56. Um senhor de 82 anos também aguardava atendimento: "Me falaram que era para esperar. Fui roubado, e até hoje não recebi intimação. Vim ver o que está acontecendo, e a única informação que tive é de que estão em diligência, como diz a anotação na porta", lamentou o idoso. Na porta da sala da inspetoria, um cartaz avisava que os agentes estavam em diligência nas ruas. Dessa forma, não havia funcionários para atender a população. A mesma delegacia conta hoje apenas com um investigador e um escrivão para atendimento de toda a região Nordeste da cidade, que engloba 26 bairros.
Nos últimos meses, os corredores da 1ª Delegacia Regional lembram um cenário de cidade fantasma. No dia 12 de julho, uma quinta-feira, poucas delegacias distritais estavam com as portas abertas, e os corredores pareciam ainda mais longos. Na maioria das salas, cadeados inibiam a aproximação de quem buscava o serviço. Apenas o plantão e a Delegacia de Orientação e Proteção à Família contavam com delegados. Segundo a administração, o motivo do esvaziamento seria uma reunião na sede do 4º Departamento de Polícia Civil (DPC), em Santa Lúcia. Mas, na reunião, o quórum reduzido também teria sido questionado pelo próprio delegado do 4º DPC.
Metas
As reclamações dos delegados recaem sobre a necessidade de bater as metas impostas pelo Governo. Atualmente cada delegacia distrital precisa concluir 22 termos circunstanciados de ocorrência (TCO) e 21 inquéritos por mês, independente da quantidade de crimes, da área coberta ou do número de policiais disponíveis. "Tem mês que, dos 21 inquéritos, se eu indiciar dois suspeitos, é muito. Eu preferiria fazer um inquérito por mês, mas bem feito, do que relatar os procedimentos de qualquer jeito só para bater a meta", opina um delegado.
Já em relação aos escrivães, apenas 16 atuam no expediente das sete delegacias distritais, além da Delegacia de Família e Núcleo de Ações Operacionais (Naop). Cinco se revezam nas escalas dos plantões. A categoria é uma das que mais sofre com a falta de pessoal. Na 5ª Delegacia Distrital, por exemplo, são um escrivão, um delegado e três investigadores, sendo que um vai aposentar até o fim do ano. Em outra delegacia, mais reclamações: "Não sei onde isso vai parar. Muitos estão para se aposentar, e o déficit será ainda maior daqui a um ano e meio, dois anos, e vai coincidir com a época da Copa", comentou um escrivão.
Seds diz que quadro será resolvido
A aposta da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) para minimizar os impactos da falta de pessoal nos serviços oferecidos pela Polícia Civil em todo o estado é a contratação de 900 estagiários de direito, convocação de 239 excedentes do atual concurso da entidade (que já havia aprovado 349 candidatos), além da abertura de 1.497 novas vagas, totalizando um reforço de mais de 2.500 funcionários. Sobre os estagiários de direito, estes auxiliarão os delegados em funções mais burocráticas. Para que o processo seja homologado em todo o estado, ainda é preciso que as universidades parceiras de todas as regiões sejam contatadas, e as negociações finalizadas em cada uma deles. A expectativa do Governo do estado é que este incremento de pessoal chegue até o final do ano a todas as delegacias.
Chamada de excedentes
Já em relação ao último concurso da Polícia Civil, serão chamados 146 excedentes para delegado e 93 para escrivão. Essas novas vagas vão se somar às 144 e 205, respectivamente, previstas inicialmente no edital. Conforme a Seds, os delegados deverão compor os quadros da 4ª Região Integrada de Segurança Pública (Risp) em fevereiro do próximo ano, e os escrivães, em novembro. "Ainda não há definições sobre o aumento do quadro em Juiz de Fora em razão do chamamento de excedentes", informou a assessoria da Seds. Em princípio, o edital previa seis vagas para delegados e 13 escrivães para o 4º Departamento de Polícia Civil, que engloba as delegacias regionais de Juiz de Fora, Ubá, Leopoldina e Muriaé, responsáveis por 86 municípios da Zona da Mata.
O concurso anunciado este mês, com 1.497 vagas para todo o estado, terá oportunidades em carreiras policiais e administrativas. Serão 121 para médico-legista, 95 para perito criminal, 415 para analista e 866 para técnico assistente. Em nota, a Polícia Civil divulgou que "o concurso será realizado o mais rápido possível".