O real motivo de a sociedade estar indefesa e acuada, quando muito supostamente protegida por câmeras, grades e muros, talvez seja a insensibilidade do poder público no trato com o povo. Por mais que as famílias apelem por segurança, o governo não sai de sua inércia proposital. O Estado se revela ineficiente e não consegue manter o controle sobre o território. As altíssimas taxas de criminalidade e corrupção extrema acabam por desacreditar os cidadãos quanto à existência, de fato, do Estado democrático de direito. Os seres humanos são simplesmente manipulados como peças descartáveis, e isso os transforma em retalhos de desespero. A impunidade, a impunibilidade e a corrupção são desaforos diários dirigidos aos cidadãos, que os engolem a seco. Os crimes cometidos em todos os dias são ignorados por aqueles que deveriam tomar as rédeas e dizer à sociedade das suas responsabilidades. Os crimes não são desvendados. A impunidade prospera sob os olhares confusos das autoridades, perdidas e desinteressadas. A maioridade penal serve de desculpa para os legisladores, que confundem liberdade com libertinagem. Que nação é esta que assiste a tudo de cócoras, com o queixo nos joelhos, e não se ergue? Quanta ignorância, se não temos paz, segurança, saúde, estradas, educação, cidadania, e ainda nos condicionam a presenciar cenas grotescas de derrubadas de árvores e extermínio desnecessário de fragmentos naturais, como se isso fosse bonito ou sustentável. E, acreditem, todos esses direitos estão garantidos na Constituição. A violência escancarada em ruas, becos e praças já não se esconde sob o manto da noite e, desaforadamente, se projeta em plena luz do dia, silenciando a voz quase inaudível das famílias honradas que ainda são maioria absoluta neste município, neste Estado e neste país. Persiste, ainda, por aí uma confusa opinião pública a respeito de dois termos jurídicos que causam enorme perplexidade na sociedade civil – impunidade e impunibilidade. O primeiro é o ato vergonhoso de restar alguém não punido por ato ilícito cometido. O segundo é a não menos vergonhosa incapacidade legislativa ou administrativa do Estado de punir alguém pela ilicitude praticada, fazendo nascer e majorando o primeiro. A incapacidade é muito pelo compêndio de leis penais arcaicas e fora da ordem social prevalente. Não se pode esquecer que os crimes são cometidos por pessoas comuns, mas que tiveram o caráter desviado e se deixaram cooptar pelos maus exemplos, copiados também de autoridades criminosas impunes, por mais incrível que pareça. Enquanto aceitarmos, cabisbaixos e calados, os desvios de comportamento, a corrupção, a impunidade e a impunibilidade, com certeza estaremos longe de alcançar a liberdade e o respeito devidos aos povos civilizados. Essa verdade choca, mas é a que temos, recorrente em tênues democracias como a nossa, extremamente imatura e carente de medidas enérgicas na proteção da sociedade. Fonte: O Tempo