Dr. Christiano Xavier concede entrevista a Revista Viver Brasil sobre assunto polêmico.

Uma pessoa é presa, vai para a delegacia. Chega lá, o crime não é dos mais assustadores, daqueles em que a pena não chega a quatro anos, se há condenação. O juiz decide o que vai ser feito, e o suspeito não fica preso. É liberado e tem que cumprir deveres, estabelecidos pela Justiça conforme o crime que praticou e a legislação. É mais ou menos assim que funciona a lei 12.403/2011, que estabelece medidas cautelares para determinados casos de prisão. Ela está em vigor desde julho do ano passado e ainda gera discussões.
 

Quando se leva em conta o sistema prisional brasileiro, a aplicação de medidas cautelares parece ser uma boa solução, já que reduz o número de pessoas que vai para trás das grades. “A prisão é uma instituição falida. Não justifica manter uma pessoa não condenada presa. A lei deu opções para o juiz, que, antes, ou prendia ou não prendia”, diz Rogério Flores, professor de direito penal do Centro Universitário Newton Paiva. 
 
Com a lei 12.403, no lugar de decretar a prisão preventiva do suspeito, o juiz pode deixá-lo em liberdade, mas com deveres como comparecer frequentemente ao juiz para informar e justificar suas atividades; não se aproximar de determinadas pessoas ou lugares; não se ausentar da comarca; ficar em recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga – se a pessoa estiver trabalhando –; ter suspenso o exercício de função pública ou de atividade econômica ou financeira; pagar fiança; ou ficar sob monitoramento eletrônico. 
 
“A lei é uma inovação. Tem que ser isso mesmo. A prisão tem de ser o último recurso. Quem é condenado a até quatro anos não é bandido, é gente que pratica furto, lesão corporal”, observa o professor. Segundo Rogério Flores, a lei até levanta o questionamento sobre o porquê da prisão. “Será que a pena alternativa não tem mais efeito que a prisão? Você não pode colocar uma pessoa que furta bicicleta com um traficante”, diz. Para ele, a chance de uma pessoa se recuperar e não cometer novo crime é muito maior caso ela não vá para o sistema penitenciário. 
 
O presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da OAB-MG, Adilson Rocha, compartilha da opinião do professor. Segundo ele, no mundo inteiro, o indivíduo só vai preso após a sentença transitada em julgado, mas, no Brasil, 44% dos detentos não têm sentença condenatória. “Para dizer que a pessoa cometeu crime, é preciso esgotar todas as possibilidades. A Constituição garante o princípio da presunção da inocência.”  
 

Conforme o representante da OAB, existe uma orientação da ONU para que os países diminuam a quantidade de presos provisórios. O advogado lembra que quem decide se uma pessoa vai ser solta ou não é o juiz, a partir do histórico e da análise do caso. “O juiz não é louco de soltar qualquer pessoa, de deixar bandido solto”, afirma. Segundo Adilson Rocha, a lei só veio a acrescentar à sociedade.

Diretor jurídico do Sindicato dos Servidores da Polícia Civil de Minas Gerais (Sindpol-MG), o delegado Christiano Xavier  acredita que a lei das medidas cautelares não ajuda em nada o combate à violência. “O que combate a violência é Judiciário mais ágil. Vejo as medidas cautelares como paliativos para que os juízes ganhem tempo”, afirma. Para ele, a aplicação dessas diretrizes aumenta a sensação de impunidade. “Às vezes, o  bandido sai da cadeia antes mesmo da vítima ou junto com ela”, conta. Segundo Christiano Xavier, isso só faz com que as pessoas que podem depor, favorecendo uma investigação, fiquem mais amedrontadas. “Isso desestimula as vítimas e estimula os autores a fazer outros crimes, porque eles sabem que podem fazer e não vão ser presos.” 
 
Christiano  Xavier acredita que as leis brasileiras têm se tornado mais favoráveis para quem pratica delito. “As coisas só vão se afrouxando para o lado dos bandidos”, diz. Saindo um pouco dos casos em que as medidas cautelares são aplicáveis – o que não é o caso de homicídios e tráfico de drogas,  por exemplo –, o delegado conta que, em sua delegacia, que é de homicídios, no ano passado indiciou mais de 80 pessoas, prendeu 50 e menos de duas delas foram a júri. “O Judiciário não consegue absorver a demanda. Noventa por cento dos delinquentes estão nas ruas por excesso de prazo.” Ele aponta, ainda, como problemas relacionados à lei, o fato de ela provocar frustração nos policiais, que fazem a investigação, prendem e, no final, veem o suspeito ser solto. 
 
O desembargador José Osvaldo Corrêa Furtado de Mendonça, da 6ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, avalia que as medidas
 
cautelares foram instituídas para dar opção aos juízes, que, antes de decretarem a prisão preventiva, passaram a ter outros mecanismos para evitar a prisão. Para ele, em tese, as medidas são muito boas, mas existe um problema por trás delas. “A crítica que eu faço é a respeito do cumprimento delas. A Polícia Militar não dá conta das demandas que tem, como é que vai fazer essa fiscalização?”, questiona. 
 
Para Furtado de Mendonça, o não cumprimento das medidas cautelares pode até reforçar o sentimento de impunidade em casos cujo o indivíduo sob essas medidas entra e sai de um ambiente a que não poderia ir e nada acontece. “Sabe que vai poder fazer isso sempre, porque não tem fiscalização. Mesmo se alguém chamar a polícia, até ela chegar, já deu tempo de a pessoa ir embora”, diz. O magistrado observa também que é pouco provável que a lei vá ajudar a desafogar o sistema penitenciário brasileiro, porque “o número de presos por tráfico é impressionante”, crime em que não se enquadra medida cautelar.

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Fonte: Revista Viver Brasil. – Edição Abril de 2012.
Disponível em: http://www.revistaviverbrasil.com.br/98/materias/01/brasil/comete-crime-fica-solto/