Ceflan: Policiais descumprem ordem
Quando um criminoso é preso em flagrante, os policiais militares envolvidos, as vítimas e as testemunhas são obrigados a esperar a conclusão da ocorrência na Central de Flagrantes da Polícia Civil (Ceflan), na região Leste de Belo Horizonte. Mas o processo demora horas e, enquanto isso, os policiais deixam de fazer o patrulhamento das ruas para ficar parados na delegacia. Para minimizar a ociosidade dos militares, o comando da Polícia Militar emitiu um comunicado interno em janeiro, a que O TEMPO teve acesso, ordenando que as viaturas se dirijam a ruas nas proximidades. A justificativa é aumentar a sensação de segurança da população. Os policiais, no entanto, se recusam a cumprir a determinação.
Segundo o documento, apenas o responsável pela prisão irá permanecer na Ceflan. Seu parceiro deverá se dirigir até pontos previamente definidos em um mapa pelo comando da corporação. Os locais estão no bairro Floresta, o mesmo da Ceflan, com exceção de um ponto, no vizinho Colégio Batista. Caso o policial precise ser ouvido pelo delegado, ele deve se revezar com o colega no patrulhamento. O memorando explica ainda que a criação da unidade de flagrantes aumentou o trânsito na rua Pouso Alegre, e as viaturas estacionadas – aguardando o desfecho das ocorrências – estariam “trazendo prejuízos ao fluxo de pedestres e veículos”.
Inócuo. Há um mês, O TEMPO mostrou que o registro dos flagrantes na Ceflan demoravam em média seis horas e que os policiais ficavam parados na unidade. Na última semana, de volta ao local, a constatação é de que o cenário nada mudou. Cientes da determinação do comando da polícia, os militares disseram que não cumprem a medida.
Como argumento, eles dizem que seria perigoso deixar um policial sozinho cuidando do preso na Ceflan e ter uma viatura em uma área que não é a deles.
“Na viatura, nós só recebemos o rádio com informações da região que trabalhamos. Se não somos daqui, não sabemos o que está acontecendo no bairro Floresta. Como vamos fazer policiamento numa área desconhecida? Só iríamos nos expor, e a Floresta seria o bairro mais seguro da cidade”, disse um cabo que pediu anonimato.
A comandante de Policiamento da Capital (CPC), coronel Cláudia Romualdo, afirma que os ajustes foram acordados com a Polícia Civil para colocar os militares a serviço do cidadão. “Se eu posso empregar o recurso, ainda que no entorno (da Ceflan), não vou deixar ele parado. A formatação dessa medida foi feita dentro dos critérios de segurança”. Questionada sobre o acesso do policial apenas ao rádio de sua região, a coronel disse que eles podem se informar sobre as ocorrências do bairro, sim, por meio do contato com sua central de rádio.
Demora no serviço contribui para subnotificação de crimes
Entre as pessoas que aguardavam o registro da ocorrência, na semana passada, quando O TEMPO foi à Ceflan, estava uma vítima de Divinópolis, na região Centro-Oeste de Minas. A jovem teve o colar roubado no centro da capital e já aguardava, impaciente, há sete horas. Com ela estava um policial militar, que seguia em direção à companhia que ele trabalha para encerrar o turno quando prendeu o bandido.
“Eu tinha acabado de falar com meu colega para seguir direto até a companhia porque nosso horário de trabalho tinha acabado. Agora, estou aqui há sete horas e perdi minha aula na faculdade, mais uma vez”, contou o policial militar que pediu para não ser identificado.
Segundo ele, muitas vezes as vítimas se arrependem de denunciar os crimes. Foi o caso da vítima do roubo do colar, que ainda iria voltar para Divinópolis. “Eu jamais imaginei que demoraria tanto. Não sei se virei de uma próxima vez que for vítima de algo semelhante”.
Coronel desaprova manejo de viaturas
Na opinião do ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo José Vicente da Silva, a medida proposta em memorando “é uma irracionalidade”. Silva explica que as viaturas devem ficar posicionadas em locais estratégicos, onde há incidência maior de crimes.
“As operações são definidas com base em estatísticas, não adianta a PM ficar em um quarteirão que talvez nem precise e que a equipe não conheça a área. O problema maior não será resolvido desse jeito”, destacou Silva, que também é professor do Centro de Estudos de Segurança da PM paulista.
O especialista sugere que os militares deixem um responsável pelo flagrante na central, e os demais voltem para a região deles. “Se precisar voltar, volta, e paciência se demorar”.
A coronel Cláudia Romualdo, chefe do CPC da capital mineira, explica que o comando da PM mineira não acha prudente voltar com a viatura para a região dela porque iria demorar para retornar à Ceflan se fosse necessário.
Fonte: O Tempo