Brasil tem compromisso muito baixo com a erradicação do racismo
Estou a matutar com meus botões, após ler duas matérias sobre o racismo nosso de cada dia: “‘Não vou sujar minha mão com uma raça ruim’, disse australiana presa por racismo em Brasília” – fato ocorrido em um salão de beleza, local que tem aparecido de vez em quando na mídia como feudo de racismo, da clientela ou de trabalhadores; e “Racismo explica 80% das causas de morte de negros no país”, que é um saber público, denunciado inúmeras vezes.
Eu mesma já disse em “O racismo mata, às escancaras, todo dia”, minha segunda crônica neste jornal, em 10 de abril de 2001! Então, disse: “Na Conferência das Américas, em Santiago do Chile (2000), preparatória da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, fui à tribuna dizer que, em meu país, o Brasil, as crianças negras morrem mais que as brancas e, para mim, tal fato é prova de racismo”.
“Mencionei evidências do racismo na pesquisa em dois estudos feitos nos Estados Unidos. O estudo Canto, coordenado por John Canto, Universidade do Alabama (2000), mostra que negros, independentemente do sexo, têm probabilidades bem menores que brancos de receber tratamento de grande eficácia para ataques cardíacos. O caso Tuskegee, história clássica de racismo descrita no filme/vídeo “Cobaias”, revela que, de 1932 a 1972, o Serviço de Saúde Pública dos EUA pesquisou, em Tuskegee, no Alabama, 600 homens negros – 399 com sífilis e 201 sem a doença (…). Nos anos 50, chegou a cura para a sífilis, com a penicilina – proibida para as cobaias do estudo Tuskegee. Após 40 anos, 74 sobreviventes. Mais de cem faleceram de sífilis ou de suas complicações. Em 1997, quando Bill Clinton pediu desculpas pelos erros e abusos cometidos pelo governo dos EUA, os sobreviventes eram apenas 8!”.
E fui aos meus guardados. Escrevi “Bete, a manicure que se ufana de ser uma preta racista” (O TEMPO, 4.12.2012). Mais de um ano depois, a delegacia nem sequer convocou a manicure Elizabete da Conceição Vaz Soares, a Bete, para ouvi-la! E ela continua lépida, fagueira e racista no Dell Cabeleireiros da avenida Prudente de Morais. E a coordenadoria municipal de Promoção da Igualdade Racial de Belo Horizonte nunca conseguiu um horário para ouvir-me, embora eu tenha tentado inúmeras vezes durante dois meses! A coordenadora estava sempre sem agenda! Eu não queria nada além de dizer que estava à disposição para ajudar a pensar “ações de tolerância zero contra o racismo” nos salões de beleza.
Quantos séculos ainda teremos pela frente até uma nação livre de racismo? Não atino o que o governo brasileiro está esperando, pelo menos, para escrever uma “Carta de Compromissos do Estado Brasileiro para a Erradicação do Racismo” – algo capaz de dizer que o Brasil abomina práticas racistas, para além das pequeninas políticas públicas, quase cosméticas, para minorar os efeitos do racismo, posto que elas são necessárias, mas insuficientes, atuam sobre fatos consumados e nada possuem de pedagogia antirracista.
O racismo vige no Brasil sob a batuta de uma cultura racista, herança da cultura escravista que urge ser erradicada. Não suplantaremos uma cultura racista secular sem que o governo queira erradicar as bases ideológicas da cultura racista. Entendo que a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) precisa ser mais arrojada em exigir do governo uma medida que diga com todas as letras que é uma política de Estado a tolerância zero contra o racismo. Penso que o caminho é por aí… Ou a Seppir discorda?
Fonte: O Tempo