A Greve das Polícias
(Gaudêncio Torquato – Jornalista e Professor da USP)
O que abre a polêmica é a questão salarial, que se liga ao bolso e, por conseguinte, ao estômago. A planilha de ganhos dos PMs do País mostra uma gradação, que vai da escala mais baixa (pasmem, Rio de Janeiro), com R$ 1.031,38, à mais alta, no valor de R$ 4.129,73 (Distrito Federal). A Bahia ocupa, nessa relação, a 11.ª posição, com o salário de R$ 1.927. Pode um PM, com três filhos, viver dignamente com esse dinheiro? Salta à vista a discrepância entre os proventos nas 27 unidades da Federação.
Nesse sentido, é racional o propósito da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 300, centrada na meta de harmonizar os salários dos policiais, evitando as diferenças absurdas que se veem na planilha. Pode ser que o nivelamento por cima (tendo como referência o valor pago no DF) mereça ajustes, levando em conta condições e custo de vida nas diversas regiões do País, mas é injusto que para as mesmas funções e obrigações – e riscos – policiais sejam remunerados de modo tão diferente. Por que não se tentou equacionar essa pendenga antes, quando se sabe que a PEC 300 tramita na Câmara desde 2008? Só agora, sob os incêndios grevistas ocorridos no Rio e em outros três Estados (CE, MA, PI), o tema volta ao foro de debate, podendo até, como atestam gravações, transformar-se em estopim de ampla mobilização, cujas consequências se projetarão sobre o carnaval, chegando, mais adiante, à cena político-eleitoral, atingindo atores de todos os partidos. Como o problema diz respeito aos entes estaduais, a cobrança recairá sobre a policromia partidária, não devendo ser considerada ganho de um lado e perda de outro. Importa aduzir que os governos estaduais deveriam ter debatido a situação e, ante a magnitude da demanda, solicitado amparo da esfera federal. No momento em que se exibem supersalários, gorduras e quadros excedentes em estruturas governativas, a precária condição dos policiais torna-se mais escandalosa.
O segundo ponto diz respeito ao direito de greve dos policiais militares. Podem fazer greve? Sim, nos termos da Constituição. A greve é um direito com eficácia limitada. Para ser realizada carece de respaldo legal do Estado. Os quadros militares, como outros servidores públicos, ainda não foram abrigados pela força da lei em matéria de greve. Não são escudados pela regulamentação que atinge apenas funcionários celetistas, fato que gera muita polêmica. No foco da discussão está a natureza do serviço público. A sociedade não pode ser desprovida dos serviços essenciais do Estado, como educação, saúde e segurança. Como devem agir os PMs se o Estado, por omissão, não lhes dá cobertura legal para realizarem um movimento paredista? Com bom senso, antes de tudo. Significa que podem fazer uma mobilização parcial de quadros, sob disciplina, não compactuando com ações violentas, ocupações de prédios, sequestros de autoridades, vandalismo. Não é o que tem ocorrido. A violência campeia. Portanto, por omissão, o Estado tem culpa. Por atos insensatos, servidores em greve perdem a razão. Dá empate na régua da insensatez.
E o que fazer? Regulamentar a lei de greve do servidor público, instrumento que determinará os porcentuais que devem continuar a exercer as funções do Estado nas instâncias federativas e nas áreas da administração direta, autárquica e fundacional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Em termos imediatos, inserir na agenda o projeto de lei sobre a matéria, de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). No mais, tentar resgatar a confiança social, o diálogo harmônico entre os atores, sob o lume da justiça.
Fonte: Jornal O Tempo, 15 de fevereiro de 2012