A crise moral.

Volto ao tema da maioridade penal, que ganha destaque na mídia a cada nova atrocidade cometida por menores. Volto a dizer, também, que a questão é um nó difícil de se desatar. Tem gente do alto escalão do governo afirmando que reduzir a maioridade penal não resolve e que, se não atuarmos nas causas da violência, logo o tráfico estará recrutando crianças de 12 ou 10 anos. É possível. Mas o que sabe essa gente sobre as causas da violência? Vão atribuí-la à pobreza e afirmar que estão atuando sobre ela com os programas sociais do governo. Como explicar, então, o brutal aumento da violência exatamente num período em que milhões de brasileiros saíram da pobreza? Além do mais, a delinquência juvenil não é privilégio dos pobres. Ela avança, também, entre as classes médias e altas. O governo não sabe por onde começar, se é que quer começar a desfazer esse nó. Na verdade, ainda prevalece, nas mentes dos formuladores das políticas sociais do governo, as antigas crenças da esquerda de que a violência é reflexo da luta de classes, das desigualdades sociais e, portanto, justa. Que seja, mas não se pode impor esse castigo a toda a sociedade e, muito menos, à população pobre, principal vítima da criminalidade. As causas da violência são, de fato, complexas, mas ninguém duvida de que a sociedade brasileira vive uma profunda crise moral. Como prender menores infratores e deixar à solta mensaleiros condenados pela Alta Corte? O julgamento do mensalão acenou com a possibilidade de reerguimento moral da sociedade brasileira, e a possível absolvição ou abrandamento das penas atribuídas aos envolvidos causará danos irreparáveis à moralidade pública. Aliás, não é de todo descabida a proposta do deputado-pastor Feliciano: "Tirem os mensaleiros da Comissão de Constituição e Justiça que eu saio da Comissão de Direitos Humanos da Câmara". Nem um pio a respeito. Estão legislando em causa própria e dando péssimo exemplo de comportamento político. A crise moral tem raízes, também, na ausência de comportamentos efetivamente democráticos. Como se sabe, o exemplo vem de cima. Se as famílias, arruinadas, já não constituem bons modelos para os filhos, o que dizer da vida pública nacional? Se o primeiro governo petista teve o mérito de tirar milhões de famílias da miséria absoluta, suas práticas políticas em nada contribuíram para elevar os níveis de moralidade nas instituições públicas e, consequentemente, nas práticas individuais e coletivas. Não vejo diferença entre o desperdício de dinheiro nas obras públicas inacabadas, durante a ditadura, e os desmandos na construção de ferrovias e na transposição das águas do rio São Francisco, em pleno regime democrático. Ao que parece, ainda não alcançamos o estágio civilizatório em que, segundo Norbert Elias, o controle externo é substituído pelo autocontrole. O que fazer se nem sequer temos controle externo?

Fonte: O Tempo