‘Falta apoio social ao usuário, e os serviços não são conectados’

‘Falta apoio social ao usuário, e os serviços não são conectados’

Especializado em avaliação da rede de apoio a usuários de drogas, o canadense foi um dos convidados de ontem do II Ciclo de Estudos em Crack e Outras Drogas, promovido pela Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na capital.

Como o senhor vê a disseminação do crack no mundo e a atenção dada ao problema?

Não há dúvida de que o crack é um problema significativo em muitas partes do mundo. Cada país tem problemas específicos relacionados a drogas, como a pasta de coca no Chile e no Peru, a cocaína e a heroína nos Estados Unidos, Canadá, Europa e Austrália. Quase todos também reconhecem o álcool como uma substância mais prejudicial do ponto de vista de saúde pública. O vício de múltiplas drogas virou algo normal e, não, exceção. Portanto, o crack é uma parte do problema, mas não a maior parte. Aqui no Brasil, o foco de atenção de muitas autoridades é quase todo no crack. Mas outros problemas relacionados com a droga não têm a mesma atenção.

Como o senhor avalia a rede de atenção a dependentes no Brasil?

É difícil generalizar. Em algumas áreas não há serviços, apesar de problemas graves. Em outras, como Belo Horizonte, há alguns serviços, mas pelo que vejo não há uma capacidade de gestão suficiente. O serviço hospitalar e os Caps (Centro de Atenção Psicossocial) podem ser bons, e muitos são. Mas falta apoio quando as pessoas têm alta do hospital. Muitas comunidades terapêuticas são isoladas e trabalham por conta própria. Os serviços, mesmo existindo, não estão bem conectados e funcionando como um sistema de apoio. Há um esforço crescente no Brasil para planejar melhores serviços e bons pesquisadores envolvidos em ajudar. Mas ainda há muito a ser feito.

Que experiências de outros países podem ser usadas no Brasil?

Nenhum país, de fato, tem o problema das drogas resolvido. No Canadá, por exemplo, nós temos mais serviços, mas também temos desafios de coordenação. De qualquer forma, temos progressos em avaliação e integração da rede de tratamento com escolas e outros serviços. Outro ponto que pode ser diferente é os terapeutas se concentrarem mais em fatores sociais e estilo de vida. Às vezes, é muito difícil para um usuário de crack sair do ambiente nocivo em que vive. Outros países também estão usando evidências de pesquisa para decidir quais serviços serão financiados.

Na sua opinião, qual é a melhor forma de tratamento?

É combinar apoio médico, se necessário, mas também apoio social e psicológico contínuo. Desintoxicação sozinha não funciona para a maioria das pessoas. Você também tem que lidar com todo o ambiente em que essas pessoas vivem, incluindo a família. É preciso ser realista, fornecer um bom suporte e não condenar as pessoas caso elas precisem voltar para o tratamento.

O crack deve ser tratado só como um problema de saúde pública ou de segurança também?

O uso de drogas está entrelaçado em todos os aspectos da sociedade e não pode ter um contexto isolado. Em uma comunidade que tem pouco ou nenhum emprego, baixa escolaridade e renda, pouca recreação para os jovens e violência familiar, haverá mais problemas com drogas. É uma doença crônica que requer intervenção ampla da comunidade. É preciso olhar para as coisas de todos os ângulos – biológicos, psicológicos, sociais e espirituais.

Pimentel promete continuidade

Entidades que atuam na abordagem aos usuários e em atendimentos ambulatoriais temem que, com a mudança de governo, os convênios sejam suspensos. A maioria dos contratos vence em fevereiro. O futuro governador Fernando Pimentel (PT) informou, em nota, que vai manter os serviços, incluindo ONGs, comunidades terapêuticas e Caps-ad e atuará também no combate ao tráfico de drogas. A Prefeitura de Belo Horizonte informou que atuará na prevenção, com ações em escolas e na comunidade.

Gestantes sem acompanhamento

Durante o II Ciclo de Estudos em Crack e Outras Drogas, especialistas criticaram a falta de ações integradas, como no caso das gestantes usuárias de drogas. “O serviço de pré-natal não conversa com o de tratamento da dependência. Não é um trabalho sistematizado. Fica muito da boa vontade e nem sempre dá certo”, afirma Amanda Márcia Reinaldo, coordenadora do Centro Regional de Referência em Crack da UFMG.

Fonte: O Tempo